Capítulo 2

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— Romero, como você está se virando naquele assunto, capataz? Não te vejo sair, a viúva do seu Maldonado te namorou e você nem deu assunto, e olha que não tem mulher sobrando por essas bandas. — Doca puxou assunto sentando-se ao meu lado com sua caneca azul-enferrujada cheia de chá fumegante. Era madrugada e estava frio.

— Ah, Doca, eu me viro aí. Não tenho dinheiro nem disposição para ir atrás de mulher. Vou é trabalhar o tanto que eu aguentar e juntar o que preciso para comprar o meu rancho. Um dia eu vou descer daqui...

— Meu velho, eu não aguento não. Pois amanhã vai eu, Bil, Nilo e todos os rapazes lá para baixo, para o paraíso da peãozada. Tem umas putas muito boas.

— Dizem que a mais nova tem idade para ser sua mãe — comentei entre um gole e outro de chá.

— Olha lá, capataz! Não fui eu que nasci naquelas bandas.

— Chega, Doca! — Ele sabia de minha origem incerta. Talvez eu fosse mesmo filho de uma prostituta.

— Capataz, se a gente não for, a coisa fica feia. Os homens ficam tudo doidos. Ninguém tem a sorte que você tem e não aproveita. Ah, se uma viúva boa viesse atrás de mim!

— Para mim, vocês são é maluco. Descer toda essa distância atrás de uma puta, sabendo que depois tem que subir? Prefiro deitar e descansar.

Doca ficou pensativo.

— Eu queria era arrumar um cavalo, ia ser mais fácil o trajeto.

— Fica um mês sem gastar com mulher que você arruma.

— Aí eu fico doido.

Doca era um pouco mais velho do que eu, mas sua cara de irresponsável e sua conversa besta o faziam parecer mais novo. Ele era moreno, de cabelos pretos crescidos e mal lavados, tinha barba rala e sorriso fácil.

Era a véspera do dia de descanso e todos se preparavam para começar o trabalho. Vivíamos numa espécie de alojamento de madeira e pedra, e o quarto era grande e coletivo. A vila andava muito movimentada por essa época, mas a maioria dos moradores eram homens sujos e solitários, vaqueiros e mineiros. Se falava na abertura de uma nova mina, mas eu só via mortes e disputas, por isso ficava sossegado no meu canto. Quase todo mundo vivia para o trabalho, ainda não tinha igreja nem locais para diversão. Quem quisesse rezar ou se distrair tinha que descer muitas milhas.

Para os rapazes que podiam pagar, à beira da estrada que ia para o Sul, existia um estabelecimento famoso, uma espécie de estalagem que oferecia o serviço de prostituição. Lá meus companheiros de trabalho se divertiam. Eles desciam num dia e só retornavam no seguinte, ao entardecer. A diversão propriamente dita durava apenas algumas horas; o restante do tempo eles passavam caídos bêbados ou andando a pé pela trilha. A volta era muito pior do que a ida.

— É muito sacrifício, Doca. Uma prostituta velha não vale isso tudo não. Vou é comprar o meu rancho, fazer minha casinha, e depois vou dar um jeito de arrumar uma companhia pra mim.

— Se você arrumar um rancho bem bonitinho, fazer uma casinha com fogão do lado de dentro, botar uma cama bem macia, até eu me casaria contigo.

Me levantei.

— Vai trabalhar, Doca! Já tá "bebo" uma hora dessas ou tá pensando em visitar minha cama como você faz na do Nilo?

— Você tá é maluco. Eu morro de frio e fome, mas morro macho.

— Ninguém nunca te viu de quatro pro Nilo, não é, Doca?

— Mentira, Capataz! Ele só mandou procurar uma moeda que tinha caído no chão.

O Tesouro do Capataz (Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora