Capítulo 2: Século XXI

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Luzes intensas brilhavam em meio à escuridão do Oceano Pacífico. A água estava calma, o vento soprava sem afobação, e o luar deixava prateado o horizonte que se distanciava sem que qualquer ilha ou porção de terra ficasse visível. O mar estava por toda parte, e Ártemis não podia tocá-lo, já que à sua família cabia apenas o mundo que estava acima dele - o Céu de Zeus. A pelo menos um quilômetro de altura, ela vigiava de cima os festejos pelo início da produção de petróleo em mais um dos milhares de pontos desertos do oceano. E não partilhava da mesma alegria que os engenheiros.

Sua parcela de inspiração sobre a humanidade atingia principalmente ativistas do meio ambiente, políticos de partidos verdes, grupos de apoio à causa animal, pesquisadores obcecados com teses como o aquecimento global, e, especialmente, mulheres engajadas em cada um desses grupos. Se havia uma delas naquela festa, certamente também estava descontente com os milhões de litros a mais de combustível fóssil que deixariam as profundezas da Terra e chegariam ao continente.

Era uma pena que o restante dos imortais não estivesse muito preocupado com isso, pensava ela. Como ficou definido na Assembleia Milenar de Assuntos Humanos, a prioridade dos deuses era compensar o ateísmo, e, para isso, a solução foi inspirar mais radicalização nas religiões monoteístas. Se haveria menos religiosos, então, os religiosos que sobravam deveriam produzir mais fé. Quanto mais fé, mais poder para Zeus, pois cada oração que se dirigia a um deus no céu emanava sua energia para ele. E quanto mais poder para Zeus, mais néctar para barganhar o apoio dos aliados.

O que eram alguns insetos e plantas perto da distribuição de poder celestial? Ártemis não via horizonte para suas preocupações, e as mãos da arqueira mais precisa do mundo ficavam atadas diante da trama política impenetrável.

Não havia nada a ser feito.

Mesmo que gigantesca, a plataforma de petróleo que ela observava era frágil o suficiente para não durar muito mais que alguns minutos se a Deusa da Caça lançasse sua ira. Sabotá-la seria ainda mais fácil do que destruí-la, e dúzias de ideias passavam por sua mente em questão de instantes quando cogitava essa hipótese. Mas nenhuma delas seria possível. Não enquanto os humanos fossem "eleutéreos".

"Livres para errar", como estava decidido em Assembleia e sacramentado no Pacto Eleutéreo, os homens e mulheres sobre a Terra e o Mar estavam imunes à vontade divina enquanto estivessem vivos. Sorte a deles? Ártemis acreditava que não. Quanto mais livremente as pessoas perdidas vagavam pelo mundo, mais se enrolavam na teia de decisões equivocadas que tomavam. Inspirá-los era uma tarefa complexa e imprevisível com que muitos deuses preferiam não perder tempo, e os poucos que tentavam não pareciam ter muito sucesso -ou intenções nobres.

Um vento súbito e gelado movimentou a seda que vestia Ártemis, em um longo tomara que caia roxo que descia perdendo a cor até chegar branco e esvoaçante na altura de seus pés. Seu penteado curto e crespo, rente à cabeça, permaneceu imóvel, e seu olhar não deixou a plataforma. Não era preciso conferir para saber quem tinha chegado.

- Eu gosto delas - disse uma voz provocativa e acelerada.

Ártemis desprezou e manteve seus lábios grossos bem fechados.

- São inapropriadas, brutas, invasivas, mas muito eficientes. São tudo o que não somos: diretas e objetivas. Não precisam ser belas nem se interessam por parecerem amigáveis. Fazem o que tem que fazer e funcionam muito bem.

Quanto mais palavras ditas, mais não ditas. Essa era a regra número um para conversar com Hermes.

- Quase sempre - corrigiu ela.

- É, quase - e uma risada discreta acompanhou a concessão.

- Eu gosto de silêncio. E não gosto de adjetivos barulhentos. Pode me ajudar? - dispensou sem cerimônia.

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⏰ Last updated: Jul 28, 2017 ⏰

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