TRAUMA

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Estou caído no chão de uma trincheira, ao redor de vários cadáveres. Ouço tiros, explosões, gritos e abutres famintos de todas as direções. Minhas mãos tocam a lama formada pelo sangue e me horrorizo a ver vários homens do Batalhão que sirvo mortos. Diante de mim, Augusto agoniza assustado, com uma pistola em mãos. Não vejo ele há oito anos; o revi há três dias; estou revendo-o novamente hoje, estando ele sem uma das mãos, e agora com a cara desfigurada e o bucho atravessado por tiros. Alguma coisa feroz se aproxima de nós. Ele chora por sua situação, embora eu não possa ver direito sua mandíbula. Solta um grito de agonia que ecoa por toda a área ao redor antes de disparar contra a própria cabeça.

Acordo de sobressalto, caindo da cadeira, ofegante. Vejo as luzes das lamparinas da rua invadirem meu apartamento. Olho o calendário da parede: É Julho.

Outro pesadelo, de uma sequencia que venho sofrido desde...

Não sei ao certo quando tais horrores aconteceram. Ando até a cozinha para fazer um café e ver o movimento da rua. Estou destruído por dentro e por fora, mas ninguém sabe disso. Ainda estou mancando e sinto dores de cabeça fortes, aliados a fantasmas que ainda me assombram – que alguns idiotas chamam de "nostalgia de guerra".

Batem na porta. São três homens do Batalhão, aproveitando a folga e me chamando para sair e beber. Sorrio para eles – embora não seja um sorriso honesto – e peço para que eles aguardem. Visto-me, embora minha mente me trave e implore para que eu não vá. Penso em me matar diversas vezes, ali mesmo, mas afirmam que sou um soldado valoroso demais para ser perdido.

Volto para os homens, sorrindo. Tranco o apartamento e me junto a eles. Um me saúda dando um tapa nas minhas costas, em uma região que ainda dói.

Nessa mesma região, naquela noite, eu tomei uma facada. Caí no chão e senti duas poderosas mãos me erguerem e me arremessarem a uma árvore como se fosse um boneco. Bati de cabeça e caí na terra fofa de novo, ainda tendo visão de meu algoz, um poderoso Cyr. Estes monstros pagãos são acostumados a caçar javalis com as mãos – imaginem o que eles podem fazer com você. O indivíduo que me arremessou na árvore sem dúvidas iria me matar sem usar armas, o que, para eles, é um feito de honra – a vitória da carne sobre o ferro.

Ele poderia me quebrar inteiro, estourar meu crânio, remover meu rosto ou qualquer outro horror.

Augusto me salvou nessa noite ao matar o Cyr com uma pistola, enquanto homens de outro batalhão avançavam floresta adentro. Ele já estava sem uma das mãos, gemendo de dor e, mesmo assim, me levou até as trincheiras, revidando os ataques que recebíamos. Os avanços dos batalhões floresta adentro falharam e os Cyrs revidaram com fúria, massacrando a todos nós.

O Exército e o Império nunca assumiram o fracasso desse dia.

Passaram-se sete meses e essas cenas ainda se repetem na minha cabeça como um filme.

Não sei até onde levarei essa situação. Não sei o que virá primeiro: Minha morte ou minha salvação. Só sei que semana que vem nos apresentaremos ao Imperador. Para mim isto não é uma honra: Honra seria se ele empunhasse sua espada e removesse de mim a parte responsável pelas memórias.

Definho, guiado pelo mentiroso sentimento de esperança. Toda a fé que cresci tendo na figura ilustre do Imperador e seu reinado foram desfeitas nessa guerra.

Uma guerra que nunca acabará.

TraumaWhere stories live. Discover now