IV - O confronto

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Os risos dos dois jovens que se aproximavam do casarão de janelas azuis, há muito tempo a energia do ser humano não era notada nesse lugar. Muitos animais fizeram do pátio sua moradia, os ninhos de pássaros eram construídos nos parapeitos das janelas, na cobertura da entrada da casa. As flores teimavam em sobreviver entre as pedras e ervas daninhas que cresciam descontroladamente. O canto do sabiá se ouvia tão perto, os gansos no lago deslizavam sem preocupação.

Alguma coisa dentro da casa, parecia ter vida, movimentos não vistos aos olhos humanos desconhecido de coisas espirituais passavam despercebidos. A cada cômodo mais um se juntava à turba de espíritos que ali viviam. Se sentiam ameaçados "quem ousa adentrar nossa morada" Um deles era o que comandava o grupo, dava ordens e todos cumpriam cegamente. Entre eles podia ser visto nuances do espectro de pessoas, roupas rasgadas, fiapos de panos sendo arrastados pelo tempo ao chão sujo...

Um deles, afastado um jovem negro, de beleza escultural mantinha distância, ele parecia não pertencer ao grupo, seus olhos marcados em cima da turba, sua expressão era de nervos contraídos, notava-se. A turba separada dele, que se arrastavam em direção a porta, o barulho dos cascos dos cavalos, que chamavam a atenção. Ele apenas observava. Os imensos corredores do casarão, dava passagem aos cômodos da casa, estes com portas fechadas, como que escondendo segredos. A pintura envelhecida com o tempo dava uma impressão de abandono, teias de aranha se faziam em cada canto no alto da parede. Uma lareira imensa se erguia na sala, toda construída em pedras de rio. Clara olhava cada detalhe, tocava com as pontas dos dedos devagarinho.

Enrico se pôs a correr, foi em busca dos ambientes conhecidos por ele, especialmente seu quarto. Seu coração o levava ao período de criança onde correu por todos os corredores e quartos da casa. Correu até a cozinha, lembrava do cheiro bom vindo da panela ao fogo, lhe trazia o cheiro do passado, seu lado infantil. Bolos haviam sido cozidos naquele fogão ali na sua frente.

"Como é bom lembrar os tempos de criança e ver que do nada sentimos até o cheiro da comida, dos doces, podemos ouvir conversas ditas entre todos.

Construir um brinquedo, podia ser um carrinho de rolimã, um caminhãozinho, uma boneca de retalhos ou uma vaquinha com pauzinhos espetados: qualquer um, era um brinquedo único. Empinar pipa. Só o prazer de segurar a linha e manobrar a pipa no céu já era muito compensador.

Quem lembra? Dropes, jujuba, paçoquinha e dadinho. As guloseimas fazem parte da infância, apesar das tentativas de alguns pais de reduzir o consumo de açúcar dos filhos. Mas sempre se arranjava umas moedinhas para comprar as delícias preferidas.

Brinquedos de montar, meninas e meninos se divertiam igualmente com os jogos de montar. Havia os de madeira, plástico, metal, que instigavam a imaginação e permitiam grandes montagens. Ainda lembro do cheiro da chuva. Das brincadeiras com as amigas.

Do cheiro da comida, nas panelas que minha mãe preparava enquanto eu estudava. Dos sonhos de voar de mãos dadas com Peter Pan. Da tentação da lama em me sujar. De fingir estar dormindo para ver se via "papai Noel". Entrando em casa para me deixar presente de natal. De abraçar uma amiga que caiu e se machucou. Das brigas com a irmã pelo pedaço maior do doce! Do vento da balança em meu rosto! De correr para cama da mãe após um pesadelo e pensar que somente ali nunca mais teria pesadelo! De pensar que minha vida seria sempre uma eterna infância e que eu nunca perderia meu mundo de sonhos e refúgio! Falar para minha amiga que nada nos separaria e acreditar que isso seria verdade! Pensado que todos falavam a verdade porque isso seria o certo, porque foi isso que meus pais me ensinaram! Ficar triste quando uma amiga vai embora para outra cidade, sem saber que essa sensação irá se repetir milhares e milhares de vezes em minha vida! De pedir para que sua mãe beije um machucado seu porque julgues que beijos de mãe cura qualquer dor e acreditar que a dor passou! Brigar com sua irmã, falar que ela é a pessoa mais insuportável do mundo, mas ficar furiosa quando alguém a mágoa e defendê-la com unhas e dentes! Sonhar que quando crescer encontrará um mundo lá fora que nem a "casinha" de doce do João e Maria. Acreditar que o seu príncipe encantado será seu maior defensor e herói. De chorar em público sem vergonha de demonstrar sua decepção! De expressar suas ideias sem medo de crítica, e acreditar que elas seriam assim para o resto da vida, sem saber que mudaria de ideia várias vezes em minha vida! Mas o que mais recordo e não consigo ter de volta, é a sensação de viver sem medo de ser feliz!

Ame a lembrança que se tem da infância, aqueles mil e um roxos nos joelhos e os primeiros passos de patins.

Quando você é criança e pensa que seu pai é o homem maior desse mundo, mas ame mais quando você descobrir que ele é sim, o mais importante.

Ame o abraço de uma amiga verdadeira que você descobriu e que juntas vocês conquistaram o mundo apenas sentadas debaixo de uma árvore. Ame quando você descobrir que não existe só uma amizade assim, e que no decorrer da vida você descobre que cada pessoa passa por você na fase certa, fazendo disso ela única naquele momento. 

Ame um sorriso seu, mas ame mais um sorriso para você. A primeira flor e bombons que você ganhar, guarde a caixa e suspire inúmeras vezes quando olha–lá.

Aquela ligação de madrugada das suas amigas berrando e dizendo que amam você. Ame mais ainda aquela outra ligação, no começo da noite para te desejar um "dorme bem". O abraço da sua mãe depois de uma longa conversa sobre amores e amigos. Aquele domingo em família. Ame todos seus aniversários. As borboletas, mas ame mais quando elas voarem dentro de você e, nessa altura sim, ame. A seu pai e sua mãe em todo o momento e  suas primas, ame sua família.

Ame aquelas férias de uma semana na qual você conheceu pessoas eternas. Aquela velha e boa amiga do tempo de criança que diz "eu sempre torci por você" a cada derrota ou vitória sua. A saudade, mas ame mais ainda a hora de matar ela. Crianças, desordens e cães, é claro. Ame e festeje o pôr do sol, mas ame mais ele nascendo.

 O primeiro amor, e encontre o segundo para amar ainda mais. Uma festa até às seis da manhã, mas ame mais o dez que você tirou na prova que vinha na manhã seguinte. 

Sua sorte, seu cabelo e seu perfume. Ame seu olhar, seu sorriso, se ame! Ame as suas músicas. Ame seus medos, o que passou, o que está acontecendo e o que está por vir, apenas ame...

E depois de um tempo que você amar, se amar... comece tudo de novo, mas dessa vez, faça diferente, ensine alguém a amar... você!

As Reencarnações de ClaraOnde histórias criam vida. Descubra agora