Capítulo 4

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Maria Alice

Minha cara está prestes a ser arranhada por uma gata rabugenta, minha bunda está doendo pra caralho, minha melhor amiga está em meu sofá se afinando de tanto rir enquanto balança um envelope de emplastros para dor, mas mesmo assim eu continuo sorrindo a ponto do meu rosto quase partir em dois.

É o meu fio vermelho e do Vincent que se cruzaram novamente. Não há resposta que não o destino para o que aconteceu hoje. Tudo parece conspirar para que as coisas deem certo dessa vez.

Eu posso ter perdido a dignidade, mas só de ouvir o Alice saindo daquela boca, o som rouco da voz dele ao pronunciar meu nome...

— Para de sonhar, Maria Alice! — Estela me repreende e tira a gata de meus braços. — Eu sei que tem motivo para estar feliz, mas já pensou em como vai malhar dolorida desse jeito?

— Eu aguento.

— Quando se trata de Vincent, parece que você nunca cresce, ou desiste — ela resmunga de uma forma rabugenta.

— Estela, você está prestes a ir viajar com Guilherme, assim como todos, que mal tem em eu tentar de novo?

— Eu não vou estar aqui para te consolar dessa vez. Eu lembro muito bem da noite da inauguração do bar em que você insistiu para irmos e ele a ignorou completamente, te fazendo chorar depois e se entupir de sorvete de flocos, acho até que foi depois disso que você começou a deixar sua cama ser frequentada por babacas.

— Vincent não pode ser responsabilizado pelo que eu sinto, ele não fez eu me apaixonar de propósito.

— Ah, e aquelas flores fizeram o que mesmo? — ela arqueia uma sobrancelha, me lançando um olhar arrogante.

— Eu ainda tenho as pétalas daquele buquê.

Estela levanta do sofá e se aproxima de mim, me segurando pelos ombros.

— Quero que me prometa uma coisa.

— O quê?

— Que essa vai ser sua última tentativa. Se não der certo, então você vai parar de escrever sobre ele e vai encontrar um amor de verdade. Já faz cinco anos, Allie.

Estela é minha amiga desde o pré-escolar e ela só me chama de Allie quando a situação é séria, porque no dia a dia é a doida da Maria Alice.

— Eu prometo.

— Devemos registrar isso de alguma forma, ou eu posso confiar na sua palavra?

Respiro fundo e penso mais uma vez no estranho destino que me uniu a Vincent e na confiança inabalável que tenho de que um dia iremos continuar o que já foi começado.

— Pode confiar em mim.

Estela me avalia mais uma vez e eu sorrio para lhe assegurar de que estou falando mesmo a verdade. Minha amiga não confia nesse destino, mas ela sequer sabe que aconteceu mais coisas do que imagina.

Em certos momentos é difícil entenderem a minha insistência em ter Vincent.

Minha mãe nunca aceitou o fato de eu ser apaixonada pelo vizinho mais velho e dono de um bar, coisa que na visão dela não condiz com a minha personalidade.

Estela acha que eu deveria partir para outra e meu pai, este não consegue ver nada além de números.

Mas eu não quero desistir porque ele foi a melhor coisa que já me aconteceu, mesmo que sequer tenha noção disso. Quando ele me entregou aquele buquê de flores, eu estava tendo o pior dia da minha vida.

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Havia sido humilhada na escola por ser gorda, jogaram molho em mim e um garoto ressaltou o quanto era nojento me ver correr na educação física e então, enquanto eu me arrastava para casa, querendo me enfiar em um buraco, o encontrei no portão.

Ele parecia tão perdido quanto eu, os olhos esverdeados vermelhos e inchados.

— Toma, você também parece estar tendo um péssimo dia — disse e me entregou o ramalhete com várias tonalidades de rosas de diversos tamanhos. — Pelo menos alguma dessas flores deve ser a sua favorita, moça.

Foi o ato mais gentil que já fizeram por mim e não consegui evitar as lágrimas. Sabia que estava sendo ridícula, toda suja em um uniforme horrível, meu cheiro com certeza não estava muito bom também, mas quando você encontra gentileza em meio a tanta maldade, não existe forma de segurar o que fica preso no peito.

— Seja lá o que tenha te feito chorar assim — ele falou e então tirou um lenço do bolso interno do paletó. — Tenha a certeza que vai passar.

E então Vincent fez um gesto que sempre vai ficar em minha memória por ter se tornado uma doce lembrança: ele secou minhas lágrimas com delicadeza, como se eu fosse importante, melhor do que o pedaço de lixo que me fizeram pensar ser mais cedo.

— Seus olhos parecem dois pedacinhos do céu em um dia bom — comentou e eu notei que os olhos dele também brilharam com lágrimas. — parece um erro chorar e deixá-los nublado.

— Mas você também está chorando — comentei, segurando as flores contra o peito. — A dona dessas flores deve ter te deixado triste.

— Tristeza vem e passa, moça. A gente chora hoje, mas amanhã sorri como se a vida fosse incrível de novo.

— Eu realmente espero que você sorria.

— Quando eu descobrir como fazer isso de novo, então será a primeira a saber.

E é por isso que eu continuo insistindo. Quero ser a primeira a saber se ele reencontrou a vontade de sorrir.

Minhas costas doem conforme ando em direção a academia e por um milésimo de segundo cogito aceitar a sugestão de Estela e ir ao hospital para ver se tudo está bem, mas desisto da ideia e continuo andando para meu destino. Não importa que eu esteja com dor, o que importa é que estarei com ele.

E eu o vejo antes mesmo de chegar a porta. Vincent está usando uma calça de moletom e uma camiseta sem mangas de aparência velha. Os cabelos, sempre bem penteados, estão revoltos e ele dá um sorriso de canto assim que me vê, ainda não é aquele tipo de sorriso da promessa, mas ainda assim faz meu coração acelerar.

— Está atrasada — ele fala de um modo zombeteiro, sua voz rouca me causando arrepios e me fazendo imaginar coisas bem impróprias.

— Dois minutos.

Vincent cruza os braços e estreita os olhos em minha direção. Nunca consigo definir a cor exata deles. Algumas vezes são esverdeados e em outras quase posso acreditar que são azulados. Sua barba está por fazer e eu começo a imaginar como seria a sensação de ter o rosto dele entre minhas pernas, sua barba pinicando a pele sensível de minhas coxas. Nossa, faz tanto tempo que eu não sei o que é receber um bom sexo oral.

— Eu sou muito rígido com disciplina, Alice, então chegue no horário e... Por que está sorrindo desse jeito?

— Gosto quando me chama de Alice.

Quase dou um tapa em minha própria boca assim que pronuncio estas palavras.

— Não é o seu nome? — ele começa a coçar a nuca, parecendo confuso.

Fica Comigo (DEGUSTAÇÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora