Capítulo 22

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Três semanas antes.



Harry está ofegante ao meu lado, afasto os lençóis suados muito ciente e confortável com a minha nudez no escuro do meu quarto. Ele deita a cabeça sobre meus seios e eu deslizo os dedos pelos seu cabelo castanho macio. Tento esquecer que sou apenas uma amante, e que em meu lugar poderia ser uma garota qualquer acariciando seus fios e ouvindo sua respiração voltar ao normal. Meu coração bate rápido, e ele desliza seus dedos pela minha barriga, brincando com a minha pele.

— Eu sou filha de Maxwell Griffin.

Anuncio curiosa pela sua reação. Harry solta o folego e ergue o seu rosto, seus olhos procurando os meus.

— Eu sei.

Franzo o cenho confusa.

— Sabe?

— Desde o início. — os cantos dos seus lábios se contorcem para cima em um sorriso — Eu sei tudo sobre você, Katherine.

Como sempre, está há dois passos a minha frente em seu próprio jogo. Mas ao contrário de todo mundo, não me faz perguntas sobre o porquê estou fugindo e escondendo o peso do meu sobrenome, apenas beija os meus lábios e se alinha ao meu lado. Passo a mão em seu peito, meus dedos deslizando por entre os pelos rasos e escoro meu rosto em seu ombro.

Harry é diferente.

— Mas provavelmente não sabe que Marion e eu já fomos amigas.

Ele sacode a cabeça. Não, não sabia. Apenas continua em silencio para que eu prossiga.

— Foi na adolescência, ela provavelmente nem se lembra mais, seu nome ainda não era Marion como todos a conhecem agora.

— Eu não fazia ideia.

— Ora, vamos, me conte algo sobre você. — deslizo minha mão um pouco mais abaixo, onde os pelos da sua barriga ficam mais espessos, passando pelo seu umbigo — algo que ninguém mais sabe.

— Gosto do som da sua voz. Você não fala comigo como se me odiasse. — sorri sem mostrar os dentes.

É fácil odiá-lo, talvez mais fácil do que realmente aprecia-lo como um todo, como em um quadro impressionista. Você precisa olhar de longe e interpretar as peças, saborear o conjunto em dúvida e cautela, tentando decifrar devagar o sentido por trás da pintura. A verdade, é que nunca saberá o que o Pintor tentou expressar ao menos que ele o diga, e mesmo assim nunca revelará os pormenores.

Sei que Harry gosta de café puro e forte sem açúcar, mas não sei o que come quando chega em casa ou como prefere os seus ovos. Sei que prefere estar sozinho enquanto trabalha mas não sei se tem manias estúpidas como morder a parte de dentro da bochecha ou deixar copos vazios pela casa.

As pessoas não se dão ao trabalho de conhecê-lo de verdade, me dou conta de que é assim, porque ninguém nunca perguntou, e simplesmente não sabe como responder. Ou talvez não há o que mostrar, mas estou disposta a desvendar. Tenho medo do que posso encontrar.

— Eu estava esperando algo mais sobre você.

Solitário. Introspectivo. Sociopata.

— Hum ... — analisou com cautela escolhendo quais detalhes poderia revelar — eu tive um gato persa quando morei em Berlim. Na verdade tive vários, sempre me dei em com felinos.

— Eu não sabia que já morou na Alemanha.

— Morei em muitos lugares. Meu pai vivia viajando a negócios. Minha mãe pensava que segui-lo por aí era o melhor jeito de manter a família unida. Meus gatos eram sempre doados mais tarde ou simplesmente fugiam apenas porque podia. Invejava eles.

Família unida. Meus pais sempre me mandavam para internatos porque era para o meu bem. Eu precisava saber como me comportar como uma Griffin. Eu precisava saber sorrir e ser o seu macaco amestrado com coleira de ouro.

Harry era deslocado, vejo, mas as pessoas apenas o interpretavam como introspectivo ou reservado.

— Nunca funcionou muito bem, se é o que está cogitando. Eles sempre acabavam brigando nas primeiras semanas e eu estava de volta ao bom e velho frescor britânico — diz isso em tom divertido e encosta o queixo na minha cabeça — eu fui criado para ser como meu pai, agir como o meu pai porque um dia tudo seria meu. Era isso que esperavam de mim. Mas acontece que eu nunca conheci de verdade quem era o meu próprio pai. Ele só nunca esteve realmente lá.

— Então você fingiu.

— Eu tenho fingido por todo esse tempo.

— Tem feito um bom trabalho até agora. Mas isso não explica Marion.

Ele se retrai como faz toda vez que toco no nome da esposa como se a guardasse há dois degraus da realidade.

— Todos nós fazemos escolhas estupidas.

Encaro o teto em silêncio. Todos nós. Todos nós chegamos a algum momento na vida em que nos sentimos presos entre o peso da idade e o futuro incerto, mesclados a monótona rotina, e o sentimento de que devemos esquecer os nossos sonhos para trás e aceitar a conviver com menos do que desejávamos.

Faz parte de ser adulto.

— Às vezes eu sinto, — suspiro de uma forma longa e entrecortada — que estou presa na minha própria vida. Não que eu esteja reclamando, entende? Só me sinto presa, por mais que eu fuja.

Ele assente, sinto o calor do seu corpo me aquecer e de repente tenho segurança em dizer essas bobagens. Não sinto medo do que pode acontecer.

— Todo mundo sente vontade de fugir de vez em quando.

— O que você faria se pudesse? — pergunto. — Se pudesse fugir para longe?

— Seria outra pessoa. Faria outras escolhas.

Reflito por um segundo e o abraço mais forte, envolvendo meu braço ao redor do seu tronco.

— Harry eu consegui os papeis que incriminam Donovan. Eu tenho um monte deles — falo — Eu não sou idiota. Você mesmo poderia tê-los conseguido se se esforçasse minimamente. Precisei fazer coisas as quais eu não me orgulho para consegui-los.

— Esse é o nosso jogo. — sua franqueza fria está de volta — Cada um faz as escolhas que pode.

Ele fala como se tudo não fosse obvio desde o princípio. E eu tenho uma ligeira impressão de que o cara que eu quero acreditar que existe dentro dele, é só outra face do mesmo. E de que talvez esteja entediado o suficiente para poder sentar imparcial e brincar de deus, vendo as pessoas se destruírem lentamente ao seu redor e se divertir com isso.

Sinto uma onda de fúria. Mas me mantenho calma. Deitados na minha cama encarando o teto como se compartilhássemos um momento. Volto a acariciar o seu cabelo.

— Você é só um manipulador de merda.

— Nós dois não somos muito diferentes.

Ele se ergue alguns centímetros e me encara com seus olhos verdes cintilantes e impassíveis, e me beija. Mas a carga eletrizante que corre pelas minhas veias de forma visceral, pela primeira vez não é paixão.

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