Capítulo 51 - Como se aquela crueldade fosse rotineira

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Ian

Noah acordou com uma tossida forte o bastante para afugentar as lembranças do passado, que estavam começando a me sufocar.

— Oi — sussurrou, sacudindo os cabelos arrepiados e limpando a baba que escorria em seu queixo.

— Oi, meu príncipe — retribui, com um sorriso que logo o fez ficar vermelho, e eu sabia o quanto eu sentia falta daquilo, chegava a ser engraçada a frequência quase absurda com que isso acontecia. 

Após retirar algumas remelas dos olhos e se espreguiçar da forma exagerada como só ele conseguia fazer, se arrastou para mais perto de mim e começou a contornar as minhas cicatrizes com as pontas dos dedos com os olhinhos cor de avelã repletos de curiosidade e perguntas que eu já previa que ele iria fazer. 

— De onde veio essas cicatrizes? 

— É uma longa história.

— Ah, deixa disso — insistiu, quicando na cama como uma criança. — Me conta, por favor.

— Quem é você e o que fez com o meu príncipe? — perguntei, assim que o ouvi o por favor. O Noah do passado jamais falaria algo assim e vê-lo evoluindo me deixava muito feliz. 

— Idiota! — exclamou, jogando um travesseiro em mim, enquanto me agraciava com uma risada gostosa. Podia parecer bem estranho, mas eu estava com saudade de ouvir ele me chamado de idiota.

Peguei-o pela cintura, rolei com Noah até que eu ficasse sobre ele, prendi seus braços ao lado de sua cabeça e fiz um olhar raivoso proposital, semicerrando bem os olhos.

— Quem aqui é idiota? 

— Você — sussurrou, deixando as letras soarem como uma música naqueles lábios maravilhosos que ele tinha e com um sorrisinho bem malicioso que eu sabia que o intimidava, dei o bote, sufocando-o com um mais um beijo de tirar o fôlego.

Era engraçado tê-lo tão indefeso em meus braços naquele momento, seus músculos se relaxando enquanto eu mordia de leve a sua boca, beijava seu pescoço e todos os lugares que eu conseguia alcançar sem ter que soltá-lo.

Como ele tivesse previsto que eu estava apenas o enrolando, Noah conseguiu puxar seus braços de volta e me fitou de modo inquisidor.

— Pode parar, Ian Stuart — falou, dando uma de irritadinho. — Nem pense que esse seu charme vai calar as minhas perguntas.

— Sempre é bom ter esperanças.

— Qual é! — Ele fechou a cara, parecendo magoado. — Não confia em mim?

— É claro que confio, meu príncipe — Passei meu braço sobre seus ombros e beijei sua bochecha no intuito de fazê-lo se sentir melhor. Depois das inúmeras vezes em que o magoei, quando eu via aquela carinha de cachorro abandonado e maltratado que ele fazia dava uma dor no coração que era quase um alivio finalmente poder beijá-lo e reconfortá-lo. 

— Então porque não me conta as coisas? — lamentou, puxando o lençol com um os ombros curvados. 

— Ok — revolvi me preparar mentalmente, eram lembranças que eu queria afugentar e trazê-las a tona não faria bem algum para mim, porém eu devia isso ao Noah, devia a ele a verdade após tantas mentiras que já lhe contei. — Aqui perto morava um homem que se dizia muito macho, só que estranhamente dava bola para mim. Eu ainda não fazia o tratamento hormonal, mas eu não parecia uma menina.

Engoli em seco, lembrando da calçada enlameada, a risada maléfica gutural enquanto caçoavam de mim, a raiva de um deles...

Fechei os olhos, a fim de me livrar daquilo, do corte profundo que passou a sangrar dentro de mim e não havia band-aid o suficiente para cobrir tamanhas feridas. Não eram marcas de laminas, eram marcas internas e irreversíveis, incapazes de serem curadas nem mesmo pelo melhor médico do mundo.

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