DEZESSETE

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Tento fechar os olhos, mas algo dentro de mim os segura me deixando incapaz de fecha-los, estou vidrada no corpo cuja vida foi tirada por minha culpa. Fogo, fumaça e muito, muito sangue. Assim que o cronômetro bateu zero segundos, uma explosão tomou conta dos meus olhos e ouvidos, quando Hiago me derrubou chão, tentando me proteger da bomba, vi de relance os olhos arregalados do garoto quando uma parte do seu corpo explodiu em mil partículas diferentes para todo lado. Metade do rosto do garoto está deformado, seu crânio aparece para fora com o resto do tecido da pele tostado, queimado como um churrasco muito além do ponto.

Meus pés vacilam e caio de joelhos no chão, sem palavras, sem saber o que dizer ou o que sentir diante do cadáver em minha frente. A outra metade do seu rosto não foi afetada, e isso só deixa a situação pior do que está. O olho que sobrou está nitidamente vermelho, virado para o lado e sangrando. É uma imagem muito forte e não consigo sequer respirar direito, meus ombros tremem e Hiago me segura, se agachando ao meu lado para evitar que eu não caia de vez.

É uma mistura de horror, culpa e ao mesmo tempo uma pequena pitada de satisfação. Horror porque é uma cena tristemente horrível, tenho ânsia e quase chego a vomitar com o que estou vendo. Culpa, pelo simples fato de que o garoto morreu por minha causa, pela minha incapacidade de ajuda-lo da mesma forma que ele me ajudou. E satisfação por não estar no seu lugar. Quer dizer, por míseros dez segundos minhas células não explodiram pelo ar assim como acabou de acontecer com ele. Eu me sinto mais culpada ainda por estar aliviada, soa tão egoísta que tenho vontade de me esmurrar.

Grito tão alto que sinto minha garganta rasgar, grito de desespero, grito por este garoto tão novo que perdeu a sua vida tão cedo e de uma forma tão injusta. Grito por mim, por Hiago e por todos que estão aqui sendo forçados a lutar por algo que devia ser um direito nosso: o direito de viver. Grito pelo meu pai que morreu da mesma forma que ele e todos que passaram por aqui. E grito por mim, que não aguento mais essa injustiça que é jogar esse maldito jogo.

— Calma, Ari. — Meu parceiro passa a mão em meu ombro na tentativa de me acalmar, mas isso não ajuda em absolutamente nada.

Me levanto, revoltada.

— Como você quer que eu fique calma com isso acontecendo? — Aponto para o corpo do garoto inocente no chão. Meu coração se estilhaça ao pensar em como feliz ele poderia ter sido fora daqui, em quais sonhos ele queria realizar, e em sua família, seus amigos e em todos que o amavam. Eles nunca vão saber o que aconteceu, nunca vão sequer cogitar a hipótese de tudo isso que está acontecendo por trás destes muros. Talvez cheguem a pensar que o garoto fez de propósito, fugiu de casa ou qualquer coisa negativa, talvez possam pensar o pior dele, talvez possam culpa-lo por algo que ele não teve culpa. Assim como minha família fez com meu pai. Assim como eu quase cheguei a fazer o mesmo.

Hiago abaixa a cabeça, seus olhos escuros e cintilantes brilham de tristeza. Lágrimas de uma vida injusta jorram de seus olhos, quero abraça-lo e dizer que também estou sentindo o mesmo, mas não o faço. Quero que ele sinta o mesmo ódio que sinto em meu coração, um sentimento sombrio que me deixa impetuosamente fria. Quero que ele sinta tanta raiva deles que me ajude a fazer alguma coisa, qualquer coisa que acabe com esse jogo.

— Olhe! — Eu vocifero, com raiva no olhar e usando minhas palavras como pequenas agulhas, alfinetando cada um de seus pontos fracos — Olhe para o garoto no chão e me diga o que você vê.

Ele se nega a virar o rosto, leva as mãos à cabeça baixa e força a si mesmo a acreditar que ele pode simplesmente esquecer o que aconteceu e seguir em frente para a próxima fase do jogo. Eu não paro, preciso penetrar isso em sua cabeça, preciso gritar mais alto para que ele possa me entender.

A CAÇA - OS ESCOLHIDOSOnde histórias criam vida. Descubra agora