O Dia das Mães sempre era um problema para Daniel.
Todo ano se via com o mesmo dilema: ia de loja em loja, via cada uma das vitrines, e não conseguia pensar qual daquelas opções de presentes seria algo interessante para sua mãe. Queria ter sido rico para poder dar para ela aquela televisão dos sonhos, um home theater ou um aparelho de som de botar inveja em todos os vizinhos e arrancar lágrimas de sua mãe.Mas aquele ano, escolher o presente de Dia das Mães seria ainda mais difícil, tenha tirado lágrimas de sua mãe. Em cima de seu caixão.
Dona Maria Luiza estava inconsolável enquanto soluçava chorando em cima do caixão. Que presente de dia das mães era enterrar um filho? Não era a ordem natural das coisas! Onde foi que ela teria errado para perder seu menino tão cedo?Naquela sexta–feira tudo parecia ir tão bem! Pela manhã, antes de dar um beijo na testa do filho antes dele sair para voltar em um caixão era só mais um dia. Ela já sonhava com que presente seu filho ia trazer. Será que tinha visto todos os sinais de que ela queria uma cafeteira de capsulas? Ou talvez da air fryer que ela tanto vinha querendo para diminuir o percentual de gordura da família? Se pelo menos o filho conseguisse se manter em um emprego tempo o suficiente para conseguir dar um desses presentes para ela...
Daniel já lembrava da manhã de sexta–feira de uma forma bem diferente: com sua mãe o acordando aos berros, de que ele "não queria nada com a vida", o mandando se arrumar bem, e ir entregar currículos para tentar conseguir um novo emprego. Não sem antes mandar que ele arrumasse o seu quarto que "parecia um campo de guerra" e lavar a louça suja que ele havia deixado em cima da pia da cozinha. Beijo na testa? Lembrava de ter quase levado um jornal enrolado na testa antes de sair e fechar a porta. Mas que vida ele tinha agora estirado em um caixão enquanto jogavam as últimas pás de terra?
Tudo por culpa do cachorro estranho que havia o atacado pouco depois de sair de casa. Nem sabia que cachorros conseguiam pular a ponto de morder seu pescoço! Quando foi socorrido sangrando muito, lembrava do médico falando para aplicarem uma injeção nele falando algo sobre "raiva". E agora estava ali, sábado, estirado em um caixão ouvindo os soluços de sua mãe e o som oco da terra batendo contra a madeira do caixão.
"Espera, eu deveria estar ouvindo coisas se estou morto? Será que é isso a tal vida após a morte? Se for é meio bosta..." ele pensou em um momento de lucidez antes de apagar. Agora talvez ele tivesse realmente morrido de vez.
O domingo de dia das mães acordou nublado e chuvoso, bem como o humor de dona Maria Luiza. Porque comemorar dia das mães depois de ter enterrado seu filho? O que ela não sabia é que aquele seria um dos dias mais loucos de sua vida.
– MEU DEUS! – Daniel levantou em um pulo dando com a cabeça na tampa do caixão de madeira – Não comprei o presente da mamãe!
Alguns dizem por aí que existem preocupações de levantar os mortos da tumba, mas com certeza não acreditavam que poderia realmente acontecer.
Daniel começou a se desesperar quando percebeu que estava dentro de um caixão.
"Eu não estou morto! Eu não posso estar morto... não é?" – de perguntava lentamente quando viu sua mão em um tom perdido entre um cinza e um azul que o fez gritar.
Tinha que manter a calma e tentar sair dali. Depois de muitos chutes que pareciam que iam fazer sua perna cair, conseguiu quebrar a madeira da tampa do caixão e foi se erguendo pela terra molhada. Quando sua mão atingiu o lado de fora da terra, se impulsionou para cima. Ouviu gritos de pessoas que passavam pelo cemitério e viram a cena apavoradas.
– Porque me enterraram vivo? – ele se perguntava.
Sujo de terra da cabeça aos pés, ele se pôs a andar. Estranhou estar devagar como nunca antes, e percebeu que mais arrastava as pernas do que andava. Achou que pudesse ser algum tipo de câimbra.
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Daniel - As Crônicas de um Zumbi Brasileiro
Short StoryDaniel era gente como a gente. Brasileiro, filho, de uma mãe raiz, desempregado, gosta de jogar no computador apaixonado pela garota bonita que mora na esquina, tantas outras coisas tão comuns. Era. Pouco antes do Dia das Mães, Daniel morre em circu...