Não, não podia ser! Pisquei meus olhos repetidas vezes, como se o ato de fechar e abrir as pálpebras fosse fazer com que a cena que se formara à minha frente, sumisse. Fecha, abre, fecha, abre, fecha. Abre. É, não adiantou! Aquilo era simplesmente surreal e, real.
Todoroki Shoto, o pegador da cidade, estava de volta. Shoto, antes de me namorar, era um babaca completo, daqueles que se acham melhores que todo mundo só porque nasceram em berço de ouro. Alto, olhos heterocromáticos, era o desejo de todas as meninas — alguns meninos também se encaixavam nessa lista —. E é claro que ele sabia se aproveitar muito bem disso.
Eu o conheci quando ele abusava de suas técnicas baratas pra me conquistar. E algumas atitudes eram tão toscas que eu tentava não lhe dar muita atenção pra não cair na sua lábia. Contudo, funcionou? Claro que não. Mas, bem, me dê um desconto, eu estava apaixonado, muito apaixonado, do tipo que fica cego e, é incapaz de ver qualquer defeito. A questão é que ele nunca fora do tipo que permanecia muito tempo com alguém — sabe aqueles canalhas que te ganham por uma semana, depois vão embora? Assim, do nada, sem nem se quer deixar um bilhetinho de "trouxa" pra você colocar na testa? Este era Todoroki Shoto —. E eu sempre fui muito clichê, sempre acreditei que as histórias dos livros de contos de fadas também serviam pra mim, ah, que bobagem! Porém, me encantei com a ideia de que o meu amor o mudaria e que ele mudaria por mim, que formaríamos um casal "perfeito", passaríamos os finais de semana na casa dele e nossas brigas seriam fofas.
"O sapo que se tornou príncipe" era o meu lema, isto mesmo, era!
— Oi, Midoriya, certo? — disse Todoroki me fazendo derrubar todos os meus livros, que eu relutava pra socar no antigo armário da escola.
— O-Oi, eu... Sou... Eu — disse gaguejando e implorando pra que aquilo soasse como normal. Por Deus! O que isto tem de normal? Todoroki se desencostou da parede ao lado do armário, sorriu de canto e alisou meus lábios com dois de seus dedos, aproximando-se devagar. Sussurrou em meu ouvido: — Que gracinha! — continuou na mesma posição, sua respiração batia contra meu pescoço e meu corpo tremia em resposta — Que tal você me passar teu número?
— M-Meu número? Eu, bem, eu, é...
— Você?
— E-Eu passo — remexi na bolsa que havia caído no chão, tirando um caderno e uma caneta. Anotei meu número e o entreguei, ele sorriu e o pegou. Todoroki se afastou e levou suas mãos as minhas, que tremiam, repousou uma em seu rosto onde se encontrava uma cicatriz e beijou a palma da minha mão.
— Te ligo mais tarde, tudo bem? — Ele falou e saiu pelo corredor antes que eu respondesse qualquer coisa. Eu, eu mesmo, euzinho, quer dizer, ele pediu meu número e não fui eu!
Depois daquela noite não foram poucas ligações, foram várias. O meu maior prazer era deitar na minha cama e esperar o telefone tocar, como se todo meu dia fosse resumido ali, naquele mesmo horário, podendo ouvir a sua doce voz, as cantadas não eram boas, na verdade eram péssimas! Mas me faziam rir, o vazio do meu peito naquela hora não existia.
Começamos a namorar por um, dois, três anos e nesse período eu já havia abandonado meu curso de dança, afinal, Shoto odiava os meus colegas de aula. Que mal tem, não é? É apenas um hobby, por ele eu faço tudo. Também deixei de sair com Uraraka, o motivo? Shoto achava o jeito dela "expansivo" demais pra não dizer outra coisa e ser visto com ela diminuiria meu valor. Não demorou muito para a lista de contatos do meu celular, que já não eram muitos, diminuir, parecia que toda vez que ele colocava as mãos, alguns números desapareciam, misteriosamente.
Shinsou sempre esteve comigo, meu "fiel" amigo de infância que sempre me dizia as mesmas coisas
— Midoriya, termina com esse cara! Você parece estar parado no tempo, vai ficar velho e um dia ele vai te deixar.
Diferente das outras pessoas que pregavam veemente que tinha conserto, era só uma fase difícil que todo casal passava, Shinsou era diferente, ele dizia odiar Shoto, do tipo que não para de falar até você dizer que entendeu, mas no quarto ano eu entendi realmente o que ele me dizia: Acabou, joguei tudo pro alto, eu estava vazio e esse vazio começou a triturar meu estômago, que antes era habitado por borboletas coloridas. Eu estava me destruindo para poder manter um relacionamento. Por isso, choquei uma porção de gente que acreditava que tudo estava bem, quem me via gargalhar nas praças, nos encontros repentinos na rua ao lado de Todoroki, podia até se sentir solitário vendo tamanha felicidade, mas mal sabia que por dentro eu estava desesperado, eu estava com medo de ficar só na minha própria companhia, mas qual é? É normal se sentir assim, não posso aceitar essa total dependência de um amor. E assim o fiz, cortei fora a parte inflamada de mim.
Eu estava aturdido, intacto, como se todos os anos que passei ao seu lado não valessem de nada, na minha frente estava o meu ex-namorado infiel que sabia tudo sobre mim, desde meu peso, até meu coração — o qual agora está batendo tão desesperado quanto a minha vontade de gritar no seu ouvido, tudo, tudinho mesmo que deixei por ele, tudo que passei, todos os meus planos que ele fez questão de estragar —. Só se passou uma semana, uma semana e ele já está com outro? Ou melhor, está com meu amigo?
— Izuku, não é isso — gritou Shoto, correndo em minha direção.
Com o pouco de dignidade que me restava, num súbito de frustração, fiz o que qualquer pessoa madura faria, puxei com toda minha força a aliança que durante todo esse tempo não consegui tirar, arremessei com força no seu rosto, ricocheteou na mesma cicatriz que no começo minhas mãos foram levadas para afagar, agora para machucar. Virei-me para sair, mas fui impedido por braços que me seguraram forte.
— Onde você pensa que vai? — O seu olhar era furioso... A força que colocava ao me segurar já estava me machucando, ele não soltaria fácil, eu sabia.
— Me s-solta!
— Não. Você tá louco, Izuku — sorriu — Vamos pra casa.
— Louco? — explodi — Talvez, eu esteja mesmo louco, durante todo esse tempo eu estive muito louco! — gritei — Me solta!
— Já disse que não!
Desvinculei-me do seu aperto quando Iida o segurou por trás, fazendo-o me soltar, corri pra dentro da casa, entrei pela porta e segui até à cozinha.
Não acredito que isto está acontecendo!
Tudo estava muito cheio, a iluminação era apenas por luzes pisca-piscas de diversas cores, o cheiro de álcool invadia o lugar, haviam copos distribuídos em cima de uma grande mesa, peguei uma dose e virei, mas pra que somente uma, não é? noites como essa pedem mais, eu já havia perdido a conta dos copos que levava a boca, segui pela porta dos fundos, cheguei no que seria a parte mais iluminada da casa, apenas fiquei ali, olhando pro céu, bêbado e prestes a chorar.
— Tem fogo? — Tudo o que me faltava agora, um desconhecido me pedindo favor.
— Não tenho — respondi sem ao menos o olhar, até que ouvi ao fundo um barulho, certamente alguém tinha emprestado.
— Garoto, por favor, você pode ir fumar longe de mim? — Me virei para encará-lo e senti uma alerta de perigo. Alto, loiro, olhos carmesins, braços desnudos apenas uma regata preta e uma jeans despojada.
— Idiota, você tá na área de fumantes. Se tem alguém errado aqui é você, não eu! Tsc!
E, ao dizer isto, ele desencadeou tudo o que eu estava remoendo dentro de mim. Foi como dar um peteleco numa fileira de dominós e observá-los caindo, um por um.
— Eu, errado? É claro. Eu sempre sou o errado. Eu sempre sou o pior amigo, o pior namorado, a pior companhia para a área de fumantes. Eu faço tudo errado, tudo, tudinho! Não adianta quantas vezes eu tente fazer dar certo, vai sempre dar errado! Aliás, a vida não adianta de nada. No fim, só vai sobrar uma pilha de decepções para lidar. E, claro, o errado sempre serei eu — desabafei, em meio às lágrimas que agora caíam sem que eu conseguisse segurar.
— Katsuki bakugou — disse sem se importar, enquanto tragava seu cigarro, como se não tivesse ouvido nada.
— Você ouviu o que eu disse?
— Ouvi, você quer colo?
Isto só pode ser uma piada, sério, eu não sabia nem o signo dele. E signos são importantes para mim, poxa e se ele for de Gêmeos? Eu odeio o signo de Gêmeos. E se ele tiver namorada ou namorado? Eu não sei nem o número que ele calça, onde mora? Inclusive, Shoto calça quarenta e reside na classe babacas pra sempre.
Sem que notasse quando ou como, meus lábios estavam sendo tomado por um completo desconhecido, um grosseiro — que beija super bem! —, enquanto segurava o cigarro entre os dedos e com a mão livre, agarrava-me pela nuca.
— O que você está fazendo com meu namorado? — gritou Todoroki, tão alto que agora éramos o centro das atenções.