You almost had your hooks in me didn't you dear

237 10 38
                                    

Rio de Janeiro, 2018.

Fernanda ficou escutando o "tu-tu-tu" do telefone, sem acreditar que havia sido ignorada pela ex-amante. Virou-se para o neto e percebeu que ele parecia tão derrotado quanto ela.

"É, vó, nós tentamos."

"Ela não quer mais olhar na minha cara. O que eu fiz de tão errado?"

Mas Fernanda sabia o que havia feito de errado. Sua filha havia ferido o ego de estrela decadente de Nathalia. Ela não suportava ser humilhada e sair na pior em uma discussão. Nathalia acreditava ter a devoção completa total de Montenegro e, ao não ser defendida, seu castelo de crenças desmoronou. Em 30 anos, Fernanda ainda não havia aprendido a lidar com a fragilidade daquela velha que tentava sempre se mostrar tão forte.

"A chacrinha já acabou?"

Fernanda Torres chegou ao quarto de sua mãe para adicionar mais uma frustração ao caldeirão de Montenegro. Aquela situação parecia um novelão da pior qualidade. A filha supostamente progressista, mas homofóbica. A avó bissexual e que descobria que amava outra mulher depois de 30 anos casada com o mesmo homem. O neto no meio do fogo cruzado.

Com a calma de quem sabia que o furacão estava apenas começando, Fernanda Montenegro virou-se para a filha, com o dedo em riste, e disse:

"Você não use este tom de voz comigo. Sou sua mãe e você me deve respeito. Faço o que quiser da minha vida. Você não sabe de nada, minha filha".

"O que será que vem por aí?"

Fernanda ficou na dúvida se dava a última cartada, porque sabia que ela causaria mais dor de cabeça. Era um segredo que ela guardara por tantos anos que simplesmente mandá-lo embora através de palavras era difícil. Era como se ele tivesse se tornado parte da cruz silenciosa que ela carregava durante todos aqueles anos. A cruz de ter visto cada ruga ser desenhada no rosto de Nathalia e não poder mais tocá-la. Não poder dizer o quanto suas manchas, que agora estavam muito mais visíveis, continuam atraentes. Era a cruz de ser uma grande atriz, com um casamento fabuloso, e não poder revelar que as estruturas de sua relação não eram tão firmes quanto pareciam.

"O seu pai sabia que eu o traí. Ele sabia."

Joaquim observou o rosto de sua mãe mudar, da raiva à frustração, passando pela incredulidade. Ela ficou vermelha, da cor da camisa de sua avó, e ele jurou que veria, pela primeira vez, a mãe avançar em Montenegro. Joaquim sabia o quanto Fernanda adorava o pai, aquela revelação deveria ter abalado todas suas estruturas.

"É mentira. Você está mentindo. Você está mentindo descaradamente".

"Por que eu mentiria afinal de contas? É verdade. O seu pai sabia. Só que ele não sabia que eu sempre soube."

"E como você descobriu isso? É mentira! Joaquim, veja bem, é essa a avó que você tem: uma mentirosa, com uma atuação digna de mais uma indicação ao Oscar!"

Se tinha algo que deixava Fernanda irritada, era ser chamada de mentirosa. Munida com a raiva, ela tomou o rifle de suas mágoas nas mãos e começou a atirar as verdades em direção à filha. Fernando Torres sabia, desde aproximadamente os anos 90, que a esposa havia lhe traído. Um dia, muito tempo após sua morte, Montenegro começou a arrumar algumas caixas de pertences do marido, e lá encontrou um diário. A princípio não quis ler, um pressentimento lhe dizia que não seria boa ideia. Fernanda deveria prestar mais atenção aos seus fantasmas, porque foi apenas abrir o famigerado diário para sentir as lembranças machucando seu rosto como enormes bofetadas. No diário, Torres contava sobre uma festa na casa de Bibi Ferreira, dia em que ele contou a Sérgio Britto que sabia estar sendo traído - e por Nathalia. Como se o baque não fosse o suficientemente grande, ela teve de ler que o marido não lamentava pela traição em si, e sim por não ter sido comunicado do fato. As palavras dele ainda ecoavam na mente dela: "Eu achei que não tínhamos segredos. O que deu errado conosco?"

O outro lado do paraísoOnde histórias criam vida. Descubra agora