A MENSAGEM

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A tempestade não para. Ele ouviu, naquela manhã, que um evento climático de grande nível deveria atingir a cidade pela noite. O climatologista disse que era perigoso ficar fora de casa. Raios estariam presentes. A chuva alagaria tudo.

Mas a água que caía do céu não era capaz de lavar todos os pensamentos de Kean.

Ele encara Lisa mais uma vez. Será que ela tinha sido expulsa de casa? Mais uma briga? Decepções? Ela estava sempre cheia delas, e nunca se abria para ele. Só quando ela se tornava a tempestade.

Do outro lado da caixa de marchas, Lisa tenta. Tenta se abrir como costumava fazer quando chegava na sala crua, com a planta falsa perto da janela e as luzes quase apagadas de tão fracas.

Suas mãos tremem milhares de vezes por dia. Está sempre inquieta, pernas tremendo, pés batendo contra o chão. Kean sabe disso. Estudar com ela tinha entregado todas as pequenas manias.

- Você está tremendo. - Kean observa, finalmente cortando o silêncio ali dentro.

- Eu estou sempre nervosa. - Sua voz não tem a intenção de ser rude, mas é isso que ele percebe. - Que diferença faz? Pessoas bebem, fumam, transam, gastam dinheiro em jogos de azar e eu não posso simplesmente me manter inquieta porque estou nervosa?

- Porque é um sinal de colapso.

Ela se revira em seu banco. Ele está certo.

- E o que você quer com isso?

- Bom, você me ligou com todo esse tom de despedida - ele não a encara, é difícil olhar para o lado quando sua visão o faz pensar que há um espelho. E é ele quebrado em mim pedaços no lugar dela. - Eu fiquei preocupado.

- Eu disse que você não precisava aparecer.

- E como você dormiria sabendo que seu melhor amigo ligou e pode fazer qualquer coisa depois disso?

- Livre arbítrio, Kean.

- Não, Lisa. Consciência e sentido de quem alguém precisa de ajuda. O que aconteceu agora?

- Nada, Kean. Nada. Será que agora você pode me levar para casa? - A histeria dela não o ajuda a pensar.

- Eu ainda tenho um local para te mostrar, mas a chuva não vai nos deixar sair daqui.

- Que bom, vamos gastar a sua gasolina para nada. - Ela aperta os botões no painel do carro simples e aumenta a temperatura da refrigeração. - Feliz?

- Amargamente Lisa. Não sei como pude esquecer desse detalhe - ele descansa a testa no volante e, sem querer, dispara a buzina.

No mesmo instante que ele o faz, a tela do celular dela brilha, chamando a atenção dos dois pares de olhos no escuro. Ela aprecia as sombras no rosto de Kean, como ele perdeu todos os traços de garoto e parece seguro de seu futuro.

- Quem é?

- Ninguém importante. - Ela pensa em abrir a janela e deixar a chuva afogar a mensagem porque não se é capaz de afogar o remetente.

- Sério, Lisa. Quem é?

- Ninguém que você conheça, Kean. Sério, será que você pode me levar para casa?

- Você vai fugir.

- Ah bom, agora quer me prender? Tudo bem, me leve para o seu apartamento e eu posso fingir me acalmar para você dormir. Amanhã eu sumo de novo e ninguém sentirá falta.

- Você realmente se afastou dos seus amigos?

- Eles não eram quem diziam ser, Kean. Você estava ocupado demais com todos aqueles números para entender.

- É, eu precisava manter médias - ele revira os olhos. - Lisa, por favor.

- Droga, Kean! - ela grita com ele e começa a chorar.

Ela não queria gritar. Não faz parte dela.

Mas ela nem se reconhece mais. O fantasma no reflexo da janela é outra pessoa.

Kean pensa duas vezes antes de estender o braço e tocar a amiga. Se é que ela o considera como amigo. Ele não se importa. Não é o que ele se preocupa no momento.

Seus dedos são ágeis em roubar o celular do bolso do moletom que ela veste por debaixo do casaco e acender a tela.

De: Desconhecido

As suas coisas já estão na varanda. Nunca mais volte para casa.

Ei, você disse que eu podia ligar | ✓Onde histórias criam vida. Descubra agora