O Reacender de uma Vela

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Era o início de uma manhã chuvosa durante o inverno amazônico. A pequena janela do escritório de Fabrício malmente iluminava o cômodo, dando ao ambiente acinzentado um tom hostil a qualquer sintoma de felicidade. A mesa possuía apenas um computador e algumas canetas organizadas metodicamente. Num dos cantos da sala, uma grande tela apagada, que mais parecia um espelho fosco, disputava o espaço da parede com os pôsteres do Comandante e os troféus e títulos de Fabrício pendurados na parede. Estes eram prêmios que o destacava como funcionário modelo da Grande Nação, dando-lhe reconhecimento entre colegas de trabalho, mas era uma honraria que nem ele sabia mais o que significava.

   A luz faltara de novo devido ao racionamento de energia. Naquele mês, os problemas de luz estavam se tornando cada vez mais comuns. Fabrício sabia que Nação precisava de cada vez mais recursos para expandir suas influências no continente. As cidade-empresas também nunca podem descansar, já que seus robôs e sua linha de produção formam uma peça fundamental para as engrenagens da Grande Nação, seja para abastecer a população com mantimentos, automóveis ou itens de lazer quanto para munir o exército na sua constante luta nas fronteiras. Mas tudo isso era uma informação que apenas alguns dos departamentos poderiam saber. Para o povo, a falta de energia, assim como o racionamento de comida e combustível, era uma consequência direta da guerra contra os terroristas, que ocorria tanto nas cidades, com atentados e sequestros ocorrendo quase toda a semana, quanto fora da fronteira da Grande Nação, nas lutas do exército contra os Estados do Mal. Era uma guerra que já durava mais de uma década, sem pausas ou armistícios.

   Sendo um jornalista formado, o trabalho de Fabrício era simples e obtuso, mas muito importante aos olhos do estado. Todos os dias, seu computador era inundado com novas informações vindas do Alto Comando a respeito da guerra, como carros-bomba explodindo em praças ou vitórias do exército. Sua função como escritor do Departamento de Comunicação era transformar essas informações em artigos para circular semanalmente no jornal estatal "Nossa Nação", de forma que a publicação promovesse um sentimento específico no leitor; sentimento esse que também era indicado pelos seus superiores na capital. Indignação, ódio, esperança, desespero. Essas e outras sensações deveriam ser despertadas no leitor, de acordo como foi indicado pelo estado para aquela semana. Após composto o artigo, o texto iria para os jornais do próximo dia. 

   Além disso, outros artigos também eram escritos por editores em outros escritórios, abordando diferentes temas, mas sempre seguindo a ordem de induzir um sentimento específico. Mesmo as ficções, como as novelas, deviam semanalmente adotar o mesmo padrão. Todos os periódicos ou noticiários televisivos se baseavam nas notícias da "Nossa Nação" para também informar ou entreter, de modo que estes mais pareciam cópias malfeitas um do outro. Portanto, o trabalho no Departamento de Comunicação era criar um sentimento em conjunto no povo, unindo-os a uma só causa, como era o desejo do Comandante. Cada distrito possuía suas redações para o jornal e Fabrício fazia parte do Distrito Amazônico, cobrindo toda a região norte da Grande Nação.

   Mesmo com a falta de luz, Fabrício não poderia terminar aquela semana sem o seu artigo produzido. Já era sexta e faltava uma conclusão para o seu texto sobre o atentado na escola Pequeno Soldado, no interior do seu distrito. O sentimento da semana era a comoção, o que tornava a notícia descomplicada de escrever, visto o assunto da guerra que o Alto Comando o dera. Contudo, o fato era que ele já estava passando a achar enfadonho o seu trabalho. Com dois anos se empenhando neste serviço, os mesmos assuntos estavam lhe custando todas as suas ideias originais, de modo que, naquele momento, tudo o que vinha na sua cabeça era uma curiosidade incomum de saber o que e como aconteceu o atentado naquela escola. 

   A informação que o computador lhe deu mostrava fotos de um pequeno prédio destruído pelo fogo. Além disso, eram incluídas frases desconexas como "Incêndio causado pelos terroristas", "Escola lotada numa segunda de manhã", "Mais de trinta crianças mortas", "Dois suspeitos presos". Interligar essas frases em um texto jornalístico era simples, mas torná-las factíveis e emotivas era difícil com tão pouca informação. Até mesmo o nome da cidade ficava ao seu critério escolher, pois a única frase a respeito da localidade era "Atentado ocorrido no interior da Amazônia".

O Reacender de uma VelaWhere stories live. Discover now