No outro dia à noite tive a surpresa de ver Erasmino na sessão da tenda. Estava quieto e cabisbaixo ao lado de D. Niquita, sua mãe e de Ione, que neste momento se encontrava muito alegre por haver conseguido, de alguma forma, ajudar a amiga. Erasmino conservava-se arredio e quase se levantou para ir embora quando todos começaram a cantar os pontos dos guias.
O salão encheu rapidamente e ao som dos cânticos devocionais as entidades iam assumindo seus médiuns ou "cavalos", como alguns costumavam dizer. Após atender algumas pessoas, Vovó Catarina e Pai Damião através de seus médiuns, chamaram D.Niquita e Erasmino e conversaram com ambos em particular, explicando aspectos dos trabalhos realizados anteriormente.
Vovó Catarina, a nossa querida Euzália, ao conversar com Erasmino pediu aos presentes para cantarem um ponto, o hino dos pretos velhos:
"Vovó não quer casca de coco no terreiro,
Vovó não quer casca de coco no terreiro,
Só pra não se lembrar dos tempos de cativeiro...
Só pra não se lembrar dos tempos de cativeiro..."
Ao som do ponto cantado a bondosa entidade ia conversando com ele. Acreditamos que foi a tal ponto esclarecedora a mensagem espiritual que vimos aos poucos como Erasmino, ajoelhado aos pés da preta velha, desmanchou-se em pranto convulsivo e a entidade, amparando-o nos braços amigos aplicou-lhe um passe com seus ramos de alfazema.O nosso amigo adormeceu ali mesmo sendo conduzido por integrantes da casa a um aposento próximo, onde foi colocado numa maca.
As entidades comunicantes dirigiram-se para onde estava Erasmino, incorporadas em seus médiuns e pudemos presenciar o que na Umbanda se chama de descarrego.
No perispírito de nosso pupilo ainda restavam alguns fios fluídicos que estavam ligados ao plexo solar e energias pesadas ainda estavam agregadas à aura do enfermo espiritual, produzindo sintomas depressivos e desmaios constantes.
Foram trazidas algumas ervas que foram queimadas em local apropriado e aliadas ao afeito etéreo da queima das plantas, foram aplicados pelos espíritos jatos de fluidos de grande intensidade, que literalmente expurgaram de Erasmino o restante das energias mórbidas. Durante os cânticos e as rezas, saía das mãos dos médiuns imensa quantidade de energia que revigorava as forças do nosso amigo a tal ponto que ele acordou e em meio a tudo que acontecia, fez menção de se levantar da maca sendo detido pela mão vigorosa da entidade que atendia pelo nome de Caboclo das Sete Encruzilhadas, um dos trabalhadores espirituais da tenda.
O caboclo incorporado ao médium colocou as mãos sobre a cabeça do assistido e concentrou-se intensamente. Da cabeça do médium partiram fios coloridos que erravam pelo ambiente e saíam da casa singela, indo ao encontro de outro espírito, que aguardava sob o domínio dos guardiões a hora de ser chamado. Era o que denominavam na Umbanda de "puxada". O caboclo afastou-se do médium e outro espírito assumiu; desta vez não era um trabalhador da tenda, mas a entidade obsessora que perseguia Erasmino. Vovó Catarina impôs-se à entidade enquanto Pai Damião, o nosso irmão Anselmo, pedia à assistência no salão que mantivesse o ritmo dos pontos cantados a fim de auxiliarem na tarefa.
A entidade obsessora se manifestava com todos os sintomas de desequilíbrio, envolvendo o médium em vibrações pesadíssimas e tentando a todo custo libertar-se do domínio de Euzália. Esta, como Vovó Catarina projetava energias sobre o córtex cerebral do médium e juntamente com os caboclos, promovia a despolarização da memória espiritual da entidade, localizando-a em outra época em outra encarnação desarmando-a por completo e adormecendo-a para ser depois conduzida para Aruanda, segundo nos falou mais tarde.
Erasmino levantou-se um pouco assustado, mas com certeza sentia-se mais aliviado, como se uma carga houvesse sido arrancada de suas costas. Estava relativamente livre e esperava não precisar voltar mais ali, pois apesar de haver sido beneficiado, não nutria nenhuma simpatia por tudo aquilo. Queria ir embora urgentemente.
_ Calma meu filho! – falou Vovó Catarina. – As coisas não são assim como você pensa, não! Agora vamos conversar um pouco mais.
Erasmino ficou assustado com o tom de voz da entidade, que continuou:
_ Na vida, meu fio, as coisas toda obedece a uma sintonia. Nada acontece sem que nóis deva algo à própria vida. Isto tudo aconteceu a ocê para que despertasse desse sono que ameaça sua vida. Nosso Pai Oxalá dá mas também tira. Ocê precisa se inteira de certas coisas, pois o que foi tirado de ocê foi apenas pra que Ocê aproveite o seu tempo e prepare o seu coração. Ocê vai ter que estudar muito meu fio e trabalhar também. A caminhada é muito longa e só depois de muito penar é que nóis podemo afirmar que estamo apenas começando. Eu sei que ocê não gosta da nossa banda, isso ocê não consegue disfarçar, não! Por isso, essa nega veia vai indicar a ocê que estude alguns livros muito importantes. E posso garantir que se ocê não estudar e se preparar no coração, as coisas pode volta e quem sabe Deus como ocê se encontrará? Pois bem meu fio, ocê segue em paz, que a força do nosso Pai Oxalá proteja os seus passos e a nossa mãe Maria Santíssima dirija seus pés no caminho da paz.
Chamando outro médium, a entidade indicou alguns livros para o rapaz estudar: - O Evangelho segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos, ambos de Allan Kardec –e falou para todos ouvirem:
_ Num assustem não meus fio, acontece que cada um deve ir aonde manda o seu coração. O nosso irmão não se sente à vontade com nossos trabaio por isso, nega veia enviou ele para os cuidados de outros companheiros espirituais. Deus abençoa que ele desperta logo e começa a sua tarefa, senão nóis num podemo garantir nada pra ele. Tem que mudar o coração.
Despedindo-se dos médiuns e assistentes, retirou-se a entidade ao som do ponto que cantado dizia:
" A Aruanda é longe e ninguém vai lá;
A Aruanda é longe e ninguém vai lá;
É só os preto velho que vai e torna a voltar..."
Os trabalhos da noite terminaram. Após conversar com Erasmino, D. Niquita retirou-se com ele e Ione e deste lado da vida, ficamos nós, observando por quais caminhos iria o nosso irmão.
Curioso como sempre, ia aventurar-me a perguntar a Arnaldo alguma coisa quando ele mesmo falou, adivinhando meus sentimentos e pensamentos:
_ Aruanda meu amigo, significa hoje, o plano espiritual onde se reúnem os espíritos responsáveis pelos trabalhos da Umbanda. É um plano belíssimo e também é uma colônia espiritual para onde são conduzidos espíritos para serem recambiados ao caminho do bem, sob as bênçãos e orientações de pretos velhos e caboclos, que se apiedam de nossos irmãos encarnados e desencarnados, servindo como instrumentos de Deus para o despertamento de seus filhos.
Calei-me momentaneamente para digerir os ensinamentos e experiências que tivera naquela semana de atividades. A noite salpicada de estrelas mostrava-nos Aruanda, a pátria espiritual dos filhos da Umbanda.