Salma vivia em um espaçoso apartamento em Higienópolis. Com honorários invejáveis, não tinha muitas despesas. Ajudava o pai todos os meses e, com certa frequência, fazia doações a entidades de caridade.
Desde que Luci atravessou algumas dificuldades financeiras, há dois anos, passou a morar com a amiga, que sempre solitária, apreciou a companhia; mesmo tendo opiniões muitas vezes divergentes.
Ambas tinham a mesma idade, mas vidas muito diferentes. Conheceram-se quando estudavam o ensino médio. Eram de famílias modestas e foram criadas em um bairro simples, de Santos. Nessa época, Luci era uma aluna notável; participava do clube de literatura e adorava dançar balé. Eram bem mais semelhantes; tinham os mesmos sonhos, medos e preocupações com o futuro.
Certa vez, após o fim da aula de história, o professor pediu a Luci que ficasse um pouco mais.
- Luci, estava pensando: você é uma das minhas melhores alunas. Estou muito orgulhoso com o seu desempenho.
- Obrigada! - apertou os livros contra o busto e desviou o olhar, tentando disfarçar seu acanhamento.
- O que acharia de participar do nosso grupo de pesquisa sobre história medieval? - ela o encarou com o olhar mais animado. Idade média era o período histórico que mais a fascinava, apesar de, para muitos, não passar da idade das trevas - Os encontros serão duas vezes por semana, no período da tarde.
Luci não sabia ao certo o que dizer. Adoraria participar, mas estava no último ano e sabia que as prioridades eram: tirar boas notas e estudar para o vestibular. Sonhava em fazer psicologia na USP.
- Seria ótimo, professor, mas receio não ter tempo suficiente. Além da escola, preciso ajudar minha mãe com os meus irmãos, sabe?
- Claro! Converse com seus pais. Se você puder, ficarei muito feliz em tê-la conosco.
Ela o escutou falar como se assistisse a um filme em câmera lenta. Ele era jovem, bonito e, com frequência, atraía suspiros das meninas do colégio. Ao ouvi-lo, percebeu cada detalhe do seu rosto: seus lindos olhos e seu sorriso conquistador. Quando falou: "ficaria muito feliz em tê-la", sentiu uma sensação diferente em seu corpo; um arrepio que a consumiu e que a fez, pela primeira vez, desejar estar ao lado dele também.
Não se sabia muito a respeito de Caio Melo, apenas que chegara à cidade há uns oito meses com um diploma da Unicamp; que era muito comunicativo e atencioso com os alunos; que frequentava o clube de pesca e que tinha uma avó idosa com quem vivia.
Luci conversou com a mãe a respeito da proposta.
- Querida, se você acha que será interessante, participe do grupo.
- Que bom, mãe. Serão apenas dois encontros por semana.
No dia seguinte, ela não tinha aula de história, mas estava ansiosa em dar a notícia ao professor. O procurou em todos os corredores do colégio, até que o encontrou no estacionamento. Sem cerimônias, correu ao encontro dele.
- Prof. Caio, com licença.
Ele caminhava em direção ao carro. Quando a ouviu, virou-se e disse, surpreso:
- Olá, Luci. Como vai?
Com a respiração um pouco acelerada, falou:
- Conversei com a minha mãe. Ela me deixou entrar no grupo.
Um encantador sorriso surgiu na face de Caio. As covinhas em suas bochechas se destacaram em meio àquele rosto quadrado.
- Ótimo! Então nos encontraremos amanhã, às 15h30, na sala de grupo da biblioteca - falou, entrando no carro. - Até lá.
- Até lá.
Luci ficou observando o carro sair, perdida em seus pensamentos. Imaginava o que faria no longo período que faltava até a primeira reunião. Ingênua, não sabia o que estava acontecendo. Não percebia o turbilhão de mudanças em seu corpo; sua pele enrubescida, seu sangue aquecido e suas mãos suadas. Porém, uma coisa sabia: que jamais sentira isso na vida e que o achava completamente fascinante.
No dia seguinte, vestiu-se e penteou-se de modo diferente para ir à escola. Era uma jovem de dezessete anos muito bonita: loura, alta e de olhos claros, por quem muitos garotos interessavam-se, mas, ninguém lhe havia arrancado suspiros até Caio aparecer.
O grupo era composto por apenas cinco alunos e o professor. À medida que os encontros aconteciam, tornavam-se cada vez mais interessantes, parte pelo tema e grande parte por Caio, um simpático e encantador orientador.
Certa vez, por volta do quinto encontro, Luci foi a única aluna a comparecer. Foi a primeira vez que ficaram - perigosamente - a sós.
- Então, professor... posso ir? Acho que não virá mais ninguém.
Ele estava de braços cruzados, encostado à mesa. Dava para notar a rigidez dos seus bíceps e o seu tórax tonificado. Pensou um pouco e com um olhar vazio, respondeu:
- Não, Luci. Vamos continuar. Se pararmos a pesquisa, não cumpriremos o prazo.
Aliviada, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
Por óbvio, a produtividade da reunião foi baixíssima. Ele logo percebeu que não teriam condições de avançar na pesquisa, então, passou a maior parte do tempo contando histórias engraçadas e descontraídas. Ela divertiu-se como poucas vezes havia acontecido na escola e adorou tê-lo, com exclusividade, naquele momento.
Após a aula, Caio ofereceu-lhe carona, a qual não hesitou em aceitar.
Enquanto era levada até em casa, pensava nos inéditos sentimentos que a acometiam, os quais, de nenhuma forma, desejava reprimir. Sentia-se feliz ao lado dele e começou a desejá-lo de maneira diferente, apesar de saber que um eventual romance entre os dois seria inaceitável diante da sociedade. No fundo, pensava que ele também gostava da sua companhia - ou talvez não - pelo menos era o que fantasiava.
Quando estavam ainda a três quarteirões da casa, pediu que parasse o carro.
- É esta a sua casa?
- Sim - respondeu, vacilante. - Obrigada, Caio... prof. Caio!
Caio sorriu parecendo divertir-se com o tratamento informal. Passou a mão nos cabelos para livrar a visão da franjinha que caía sobre sua face, semelhante à crina mais brilhante de um garanhão negro, puro sangue. Lançou um olhar enigmático para a jovem, como se repassasse em sua mente os agradáveis momentos que vivenciou àquele final de tarde.
- Por nada!
Seus olhares cruzaram-se. Ele virou o rosto, desviando o olhar. Suas sobrancelhas uniram-se como se algo o incomodasse. Arrumou o colarinho da camisa e coçou a nuca.
Luci destravou a porta e a empurrou. Foi então que sentiu as mãos firmes do professor em sua pele. Ele a segurou pelo braço, o que a deteu. Ela o encarou outra vez e percebeu seus olhos brilhando. De súbito, Caio a tocou no rosto e deu-lhe um desejado beijo.
Inconsequente, a jovem correspondeu ao rompante. Suas extremidades nervosas pareciam que iam explodir, tomada por um arrepio que a consumiu dos pés à cabeça. Mal podia acreditar no que estava acontecendo. Nunca imaginou que suas fantasias juvenis realizar-se-iam de forma tão repentina.