As linhas das decisões.

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O País de Proteção.



— Vocês imaginavam o que iriam ouvir aqui. Não poderiam saber que eu estava cansado. Penso que no fundo querermos ver algo inédito, uma surpresa que nos supere do ontem e nos inflame de nova energia... e nos regozije sobre a nova existência. Queremos isto porque somos inteligentes o bastante para ponderar e concluir qualquer final por nós mesmos. No fundo não faz sentido virmos aqui para ouvir o que qualquer um de nós sem comprometimento de alma poderia falar. Ainda procuramos surpresas e as superações do que sabemos existir em nós. Mais. No fundo esperamos 'mais'. Nós vivemos aceitando uma média, porém esperando 'o mais'. Esta é a esperança que nos inspira. Vivemos como se fôssemos imortais. Porque esperamos no fundo que uma surpresa possa nos fazer imortais. Cremos em mágicas. Porque esperamos que um dia seja real.

Para Sandra havia uma mágica sendo real, o ângulo que agora tinha do rosto dele era inédito e ela se perguntava porquê. Era o ânimo que agora o estava contagiando e o transformava ou ela que o via diferente.

— Nenhum invólucro substitui a excelência de qualquer conteúdo, foi me oferecido suplementos psicoativos para que não estivesse aqui cansado. Eu estava ainda cansado com o mundo. Como a humanidade que se cansou de uma placa de chumbo na consciência com os nomes dos inocentes. A longa placa com a longa lista. Os nomes dos que pereceram e não serão mais chamados, por seus pais, suas mães, seus amados. E se forem não responderão a estes chamados. Porque não poderão ouvir. Porque não mais existem.

No intervalo ele havia ouvido tudo o que Sandra Curiel dissera com uma luz que fora se intensificando em seus olhos. Ele não devia temer o peso e os ataques que viriam por participar dos julgamentos. Tinha que crer que a sabedoria abriria um caminho em todas as armadilhas. E não devia se preocupar, pois não se tratava dele, nem das pessoas, mas da omissão da voz dos Coptas no Egito que poderia resultar no apagamento de uma ideia, a ideia pela qual viviam em fé. O menino era o Cristo que nasce nos corações das pessoas e as faz viver no amor. Esta era sua fé.

— Hoje vocês estão tendo o que a humanidade precisa buscar. A verdade. A verdade que alguém me fez ver e que agora me energiza. Nós somos os únicos culpados por tudo se tivermos uma só palavra de omissão. Uma só ausência. Hoje decidimos fazer algo. Estamos criando o País de Proteção. Contra quem? Contra nós mesmos? Não. Não. Não será assim e não poderá ser assim. Não seguirá assim. O Comitê de Civilização criou o País de Proteção e nós seguiremos vigilantes. Faremos distinções entre homens e homens. Julgaremos. Julgaremos! E o faremos de memória viva, porém de consciência alerta e verdade. Eu quero vida.

Saiu da tribuna e a voz da presidente Lagarde anunciou para registro:

— Pronunciamento decisório de Marcus Simaika, secretário da ideia Copta do Egito para a 15ª convenção de proposições sobre a primeira governança do País de Proteção recém criado pelo Comitê de Civilização e destinado ao acolhimento e segurança das minorias e refugiados.

Sandra Curiel soube que certas coisas sobre as quais não queremos pensar, talvez seriam nossos melhores pensamentos. Quando lembrava do passado pensava que as vozes das crianças felizes na festa de aniversário tinha sido uma pedrada de realidade que a acordara de um transe. Não que houvesse nisto um milagre estrito, era uma parte significativa do seu cérebro lutando desesperada para se agarrar a qualquer ponto da realidade que lhe escapava. Porém hoje ela sabia que não estava ali por um acaso. Havia bem mais propósitos em sua vida do que ela podia imaginar. E já sentia que uma sensação de felicidade se formava das coisas que tinha vivido e que ninguém poderia tirar isto dela.

Foi ao encontro de Marcus sem selecionar um diálogo memorizado... desta vez.

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