'Não pode ser'. Meu mundo parou por uns poucos segundos. Os cômodos do quarto, as luzes, os sons, até mesmo o Kevin à minha frente parou. Eu só conseguia pensar o porquê de isso acontecer tão rápido, tão repentinamente e, ainda mais inacreditável, dentro da minha casa.
Quando minha mente volta, meu coração dispara em batimentos fortes e acelerados. O medo agora toma conta de mim e feixes de memória de quando o Kevin me empurrou em frente à cantina do seu Zé vêm como se fossem gotas de chuva caindo nos meus olhos. Minha reação instantânea é me afastar do perigo, do Kevin, ou melhor, da outra personalidade do Kevin que acabara de assumir o controle.
Me mantenho a uma distância de mais ou menos um metro e meio do Kevin, distância assumida por mim como segura. O Kevin por sua vez está parado em pé me fitando sem fraquejar o olhar. Seu olhar impetuoso é digno de medo. Estou me sentindo a mais fraca presa diante do maior predador.
- Você de novo? - Ele pergunta com um tom de voz levemente diferente da outra personalidade do Kevin. Mais grave, porém mais claro.
Apenas continuo paralisado. Não tenho o que responder. Diversas palavras vêm à minha mente, mas não consigo juntá-las numa estrutura lógica e assim formar uma frase.
- O que foi? Consegue falar não? - Ele pergunta novamente para mim. Dessa vez, ele lança um sorriso bastante parecido com o que o outro Kevin lançaria. Mesmo assim, minha reação é abaixar o olhar para o chão. Internamente, estou me perguntando por que estou tão nervoso?
- Se não vai falar nada, vou embora. Como faço para sair daqui? - O Kevin fala, dessa vez, mais ríspido.
Ele começa a dar voltas pelo quarto, olhando para as paredes como se fosse achar as chaves da casa numa delas. Ele toca algumas coisas e solta olhares de reprovação para mim de vez em quando. Até que ele acha a porta do quarto e tenta abrí-la. Porém eu a tranquei assim que chegamos para que os meus pais não entrassem sem avisar. Então subitamente o Kevin avança sobre mim, parando a alguns centímetros de distância do meu rosto.
- Vai abrir a porta pra mim ou não? - Ele me pergunta com uma expressão de fúria. Levo minhas mãos ao rosto, porém não recebo nenhuma agressão física. Automaticamente, meu corpo fica mais leve, então falo:
- Calma, espera. - Tento pôr minhas mãos nos seus ombros, mas paro na metade da ação. - Primeiramente, você sabe quem eu sou?
- Eu já te vi numa festa, já te vi no Jovem cultura. E também já te empurrei. - Ele fala se afastando de mim.
- E... - Tento perguntar algo, mas nenhuma ideia me vem.
- O que você é do outro Kevin, afinal? - O Kevin pergunta.
- Você não sabe sobre mim? - Pergunto, pois o outro Kevin me disse que anotava tudo que acontecia em sua vida no diário dos dois. Não é possível que ele não tenha anotado sobre mim.
- Não sei.
- No seu diário, em nenhum momento, o Kevin falou sobre mim? - Pergunto.
- Eu já disse que não! Agora me responde, o que você é do outro Kevin? - Ele grita ao falar.
- Eu tô ficando com o outro Kevin, ele está apaixonado por mim, eu estou apaixonado por ele... Apaixonado por você? - Essa pergunta é mais para mim do que para ele.
Como ele demora a responder, avalio essa minha pergunta. Então eu o encaro de forma mais específica, tentando perceber se sinto paixão ao olhá-lo, mesmo que seja outra personalidade no mesmo corpo físico. Não demora muito para perceber que meu coração irrompe no peito e um nó se forma na minha barriga apenas por olhar para o Kevin à minha frente. De certo, percebo que é impossível dissociar personalidade do corpo físico no quesito paixão. Eu vou sentir atração pelo seu corpo, vou sentir desejo pelo seu corpo e vou sentir paixão pelo seu corpo, mesmo que internamente ele seja uma pessoa má. É o que eu sinto.
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Partição (Romance Gay)
RomanceRodrigo Daloso, um estudante bastante atarefado, leva sua vida como qualquer outro garoto de 17 anos de idade. Ele tem vários amigos, trabalho e dinheiro e por isso tem uma vida tranquila. Com uma personalidade determinada e centrada, porém, se vê d...