Enxerguei no sábado a oportunidade de descansar dos problemas e entrar de cabeça no projeto, separei vários trechos dos livros escolhidos pelos meninos e comecei a desenhar as próximas fases. Estava desempregada e sem nenhum emprego a vista, esse projeto é o que ia tirar a minha vida do tédio.
Lidiane acordou cedo, o que era um milagre para um final de semana, e caprichou no café da manhã, eu comi mais do que eu deveria o que há muito já não era uma novidade. Os meus planos para o sábado eram baseados em cobertor, livros e pipoca, mas como se fosse uma praga desenvolvida para me tirar do sossego, Lidiane decidiu que aquela noite seria uma excelente oportunidade para reforçarmos nossos laços de amizade. Eu tomei banho enquanto ela escovava os dentes, achei que nossos laços já haviam sido reforçados o suficiente por um dia. Ela não concordou.
Mais uma vez fui arrastada para fazer os programas de índio que a Lidiane arruma só Deus sabe aonde. A festa dessa vez era uma balada alternativa com um bando de gente esquisita, uma moça perguntou se eu queria colocar umas tatuagens temporárias de chifre na testa e eu dei a ela a resposta que a minha mãe daria, o sinal da cruz.
Lidiane se divertia dizendo o quanto eu era careta e que eu deveria me divertir, conhecer gente nova e viver a vida. Ela ficava lá repetindo isso e eu só conseguia pensar que um copo de água ali dentro custava sete reais.
– Beatriz, você precisa enxergar o mundo de possibilidades que está bem aqui na sua frente.
– Lidiane, você quer um óleo? Essa sua cara de pau deve estar precisando, passa o dia todo resmungando dos seus problemas e eu tenho que esquecer os meus.
– Ah, faça o que eu digo...– eu ri.
– Frase feita, Lidiane? Tão clichê.
– Clichês só são clichês por darem resultados.
– Outro clichê. – foi a vez dela de sorrir.
– Vem, vamos pegar uma bebida.
– Vamos. Estou doida para trocar meu fígado por vodca.
– Ih amiga, melhor escolher outro órgão, acha não?
Duas horas e muitas tequilas depois eu já não dava a mínima para os últimos acontecimentos, Lidiane dançava em cima de uma cadeira com formato de queijo e eu assistia achando aquilo um máximo. Estava me divertindo, sentada num banquinho no bar, quando perdi o equilíbrio e por pouco não esfolei a cara no chão, uma mão vagamente familiar me segurou e eu tive certeza de que estava completamente bêbada.
– Você está bem? – o Murilo perguntou.
– Me larga.
– Beatriz, você está bem? Machucou alguma coisa?
– Que diabos você está fazendo aqui? Não aparece nas aulas mas para farrear você está ótimo.
– Só você para usar palavras como farrear quando está bêbada. – eu não respondi – Essa boate é da Lua, minha irmã. Eu precisava conversar com ela e passei aqui.
– Família divertida a sua.
– Não consegui notar o tom de ironia.
– Eu não fui irônica.
Não sei quanto tempo se passou, Murilo ficou por perto observando cada movimento meu, talvez seja por isso que aquela sensação de estar sendo vigiada voltou. Era irritante ter aquele homem ali olhando para a minha cara como se eu fosse aquelas porcarias de cubos mágicos que não desembaralham nem na base da porrada, o problema não era comigo. Onde diabos aquele homem se meteu?
– Amiga, vem dançar. – Lidiane disse sentando ao meu lado – Você não sabe o que está perden.. Murilo?
– Oi Lidiane, é um prazer revê-la.
– Pena que eu não posso dizer o mesmo. Vai explicar como que não tem tempo para a aula mas tem tempo pra isso? – minha amiga cuspiu.
– Pelo visto as duas sentiram minha falta.
– Você é mesmo um babaca. – eu não aguentei ficar calada.
– Eu não devo satisfação a duas mas vou levá-las para casa.
– Nós não estamos indo embora, obrigada.
– Deixa de ser teimosa, Beatriz, é só uma carona.
– Eu não vou a lugar algum com você.
Lidiane e eu nos levantamos do bar e fomos dançar, dançamos até o pé doer e a cabeça chacoalhar. No fim das contas acabou sendo uma boa ideia sair no sábado à noite. Bebemos mais um pouco e só resolvemos ir para casa depois que o sol nasceu. Já havíamos saído da boate quando uma mulher alta e com um par de olhos negros que eu já conhecia muito bem me abordou.
– Beatriz, espera. – ela chamou e eu parei, deixando Lidiane um pouco mais a frente.
– Desculpa, eu te conheço?
– Meu nome é Lua, eu sou a irmã do Murilo.
– E o que eu posso fazer por você?
– Na verdade eu queria que você fizesse pelo meu irmão. O Murilo é um cara com muitos problemas e agora está passando por mais um, nossa mãe está internada com pneumonia e ele ficou sobrecarregado com isso. Eu vi vocês dois conversando hoje, se você não sente nada por ele se afasta mas se sente alguma coisa, esse aqui é o número do celular dele – ela me entregou um papel – escuta o seu coração e faça o que achar correto.
– Eu não sei o que dizer.
– Não diz nada, só deixa seu coração falar por você.
– Eu tenho que ir.
– Tchau, Beatriz. Minha mãe tinha razão sobre você.
Mesmo dizendo a ela que precisava ir permaneci no mesmo lugar, a mãe dela falou de mim para a família com qual propósito?
Saí do transe e fui ao encontro da minha amiga que me olhava em expectativa, disse a ela como nada daquilo havia mexido comigo e eu não tinha levado a sério uma só palavra do que aquela mulher me disse. Lidiane não acreditou, mas acho que o fato de eu ter salvo o número do Murilo no celular não me deu muita credibilidade.
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Beatriz e o Purgatório Moderno
ChickLitBeatriz é uma estudante de comunicação que precisa aprender a conviver com um tcc cheio de confusões, um trabalho péssimo, o sonho frustrado de escrever, um ex namorado mala e o carrasco do seu orientador. Já cansadas e desmotivadas, ela e sua melho...