Mesmo sendo a atração principal, ele não usava as melhores roupas do local. Para ser bem sincero, seu terno era alugado e de segunda mão. Seu perfume tinha um odor estranho, com um cheiro nauseante e ácido que parecia exalar de suas próprias veias.
A maquiagem básica que passaram em seu rosto o deixou desconfortável. "Isso é realmente necessário? Não existem tantas rugas e imperfeições para cobrir. Eu ainda sou jovem e bonito, cacete" pensou o rapaz.Todos estavam ali por ele. Era o seu momento. O fato de ele ser o centro das atenções não lhe causava desconforto algum. Ele não se sentia tão calmo assim há anos. A platéia era composta pelos seus amigos próximos, familiares e alguns desconhecidos, que com suas vestes pretas enegreciam completamente o local. A música ambiente era lenta e chorosa, quase inaudível, sendo perceptível apenas pelos agudos irritantes dos violinos.
Seus sapatos brilhantes refletiam a sua face pálida e mostravam um olhar vazio que percorria o infinito, sempre adiante, além de tudo e qualquer coisa. A sua dor, que antes era individual e ainda sim maior que o próprio universo, agora mostrava-se compartilhada e restrita apenas a aquele pequeno local. Insignificante.Havia pessoas demais naquele lugar, o calor estava insuportável e era impossível de respirar - não que houvessem opções para isso.
Os que passavam por ele o beijavam e diziam frases bonitas, frases que jamais imaginaria ouvir. Lágrimas de tristeza - nunca dele, jamais dele - caíam em seu rosto e borravam a sua maquiagem, fazendo-o parecer um boneco de cera de algum acervo de museu vagabundo.
Um homem que ele jamais viu em toda a sua vida agora discursava ferozmente em seu nome, falando de todas as suas conquistas, uma por uma. Algumas importantes e outras nem tanto. Algumas verdadeiras e outras apenas desejos. Algumas que ele lembrava e outras que preferia esquecer.No fundo da sala, em uma pequena mesa, havia um banquete simples sendo servido, com sanduíches de presunto e queijo acompanhados de salgadinhos de carne e refrigerantes baratos. "A mesa da comida é sempre o local mais movimentado de qualquer evento". Esse pensamento o divertiu por um breve momento.
Depois de um certo tempo - e muita falácia - finalmente o levaram para um lugar próximo dali. Flores eram arremessadas em sua direção, assim como pertences valiosos e punhados de terra, que pouco a pouco iam escondendo a sua face - agora toscamente - maquiada. Alguns berros e choros rasgavam o ar e isso estremeceu a sua alma. "De onde saiu tudo isso? Bom, agora não importa" pensou o rapaz. Ele sabia que aquele era seu momento, talvez o único que realmente lhe pertenceu. Após estar completamente soterrado, as pessoas se reuniam aos poucos, abraçando-se aos prantos enquanto andavam em direção aos seus carros e suas próprias vidas que ainda não lhes pertenciam.
E o homem do dia, a estrela da noite, o foco dos holofotes só conseguia pensar uma coisa: velórios são sempre deprimentes.

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Contos do Homem Morto
ContoUma coleção de pequenos contos autorais que ilustra as maiores inevitabilidades do nosso cotidiano: os terrores da vida e os prazeres (ou o caos) da morte. Acompanhe personagens e situações distintas e abordagens diferentes em cada conto, mas tendo...