Outro dia...
Vozes abafadas invadiram sua mente escura o fazendo lentamente abrir os olhos e ser recebido pela luz forte que transformava tudo a sua frente em borrões e dor de cabeça.
Após minutos lidando com as contorções que seu rosto fazia tentando se adaptar a claridade ele conseguiu ver, ainda embaçado, a grama fresca roçando em sua face e invadindo cuidadosamente sua boca aberta. Depois, quando já estava distinguindo o perto do distante, viu pernas esticadas de alguém sentado próximo dele e com dificuldade empurrou o corpo para o lado se inclinando para frente na intenção de se sentar o mais devagar que podia sem ainda entender o que aconteceu ou do que se tratava aquela gritaria que o acordou.
Enquanto tirava alguns pedaços de grama da língua resolveu olhar melhor ao redor procurando, inicialmente, saber quem estava sentado ali e logo viu o rosto risonho de Miyumi que o fez sentir-se aliviado sem nem saber porquê.
A frente encontrou Vicent em pé com uma mão no rosto encarando seriamente o chão. Ele conhecia o olhar do amigo bem o suficiente para saber que aquilo não era bom. Ao lado dele estava Rudy observando ao redor das árvores como se procurasse algo. O homem no chão até pensou em chama-los, porém a curiosidade o fez desviar os olhos vendo quem mais poderia encontrar.
Sentado em sua frente estava Sith olhando para seu rosto como uma estátua enquanto a feiticeira Leicy ao lado bocejava entediada. Sua cabeça virou para a direita percebendo ter mais alguém atrás atraindo seu olhar para encontrar Kalevi de braços cruzados apoiado em um tronco, Endo agachado próximo dele e Jamey cutucando a terra sem preocupações no olhar.
O homem reconhecia todos os seus rosto, mas não conseguia ver o padrão para estarem juntos naquele local desconhecido. Foi em meio a essas reflexões que percebeu não se lembrar de como foi parar ali ou o porquê.
Intrigado encarou o chão tentando se concentrar em buscar o mais longe que sua memória podia ir. Sabia que isso não era amnésia ou algo muito grave já que ainda se lembrava de se chamar Daichi e sabia que aqueles ali eram seus amigos, porém não conseguia encontrar vestígios do que tinha feito nesse dia.
Rapidamente levantou o rosto olhando em volta novamente procurando por pistas no fundo que pudessem responder qualquer dúvida. E as únicas coisas que viu foi a grama rasa do que deveria ser um bosque e o céu claro de meio da tarde que só aumentou suas perguntas.
— Como...
Sussurrou para si mesmo e como se fosse natural se virou para o amigo Vicent buscando por ajuda, entretanto antes que pudesse dizer algo o ouviu falar.
— Tem que haver algo. – Seu tom não era o composto e frio de sempre, na verdade, era quase irritado acompanhando movimentos frustrados de suas mãos. — Nós não surgimos aqui do nada! Não é possível.
— Na verdade é. – Sem qualquer pressa, Miyumi apontou o fazendo suspirar impaciente.
— Sim, mas não dessa forma. Digo... Por que nós? E quem faria isso? – Era claro em seu rosto que estava confuso, porém a forma lenta como falava mantendo a calma evitava que os outros se desesperassem. Com elegância se virou para ver os demais quando percebeu o mais velho sentado o encarando. — Ah, Daichi, finalmente. Você se lembra de algo?
A pergunta chamou o olhar dos outros em sua direção fazendo o homem fechar os lábios como se tudo o que tinha para dizer não valesse a pena agora. Por instantes se sentiu mal por ver a esperança em seus olhos antes de conseguir balançar a cabeça em negação.
— Eu ia te perguntar isso.
— Claro...
— Todos nos acordamos assim. – Rudy comentou ajudando a aliviar a culpa ao ver Vicent assentindo decepcionado. — Não sabemos o que aconteceu... Nem o Sith lembra.
Ele ouviu o pesar em sua voz mesmo sem entender muito bem o que Sith'Thorn tinha a ver com isso.
— Espero que nada disso seja relacionado a você, Endo. – Mudando completamente sua postura dócil, Vicent apontou no tom frio que costuma arrepiar qualquer um que o ouvisse.
As palavras chamaram a atenção de todos, principalmente do menor que só conseguiu fitar confuso o olhar superior que parecia estar esperando o momento certo para soltar essas palavras.
— Por que eu? – Perguntou inocentemente, porém assim que viu Vicent erguer a sobrancelha acusatória entendeu do que se tratava. — Por causa da Elizabeth... Mas isso ainda não faz sentido. Seria idiota te colocar em uma situação dessas. Só ia complicar tudo. – A explicação fez o homem a frente rir curtamente da forma mais sarcástica que pôde incomodando o jovem. Endo sabia que ele não gostava de sua presença, mas aquilo estava passando do limite. — Acha que sou burro assim?
— Não me lembro de ter dito algo do tipo.
O tom irônico e a forma como lhe deu as costas foi o suficiente para provoca-lo e fazer Daichi se levantar prevendo que teria que se colocar no meio deles para que o menor não perdesse um braço.
Endo também se levantou, porém com os punhos cerrados e a veia em sua testa palpitando de raiva. Ele planejava caminhar até o maior e tirar de vez toda a frustração que o fazia sentir, entretanto parou antes de dar o segundo passo quando sentiu uma mão o segurar pelo ombro.
Sem mudar a direção do corpo, ele inclinou a cabeça para trás mostrando olhos furiosos a Kalevi que só balançou a cabeça como se dissesse que não valia o esforço. O jovem até quis afastar aqueles dedos em um tapa, mas preferiu evitar mais confusão pelo próprio bem.
Um suspiro aliviou a tensão em seus ombros antes de se virar novamente falando alto:
— Ok, mas se é assim então todos aqui são tão suspeitos quanto eu.
Os olhares que se desviavam da discussão rapidamente se voltaram para ele vendo a certeza misturada ao rancor em seu rosto.
— Até o Jamey? – Leicy, que até o momento preferiu descobrir suas respostas sozinha, questionou apontando para o rapaz que fazia um monte de areia entre as pernas próximo dele.
— Ah... Tá, menos o Jamey. De qualquer forma, você tá na lista, Vicent.
— Certo e com qual propósito eu faria isso? – Cruzando os braços se virou para fita-lo com o olhar desafiador na esperança de ouvir uma acusação aleatória.
— É você quem tem-
— É esse o plano? – A voz de Miyumi cortou a conversa como uma faca trazendo as atenções para ela no chão. Seu rosto parecia calmo e sem dar a mínima para o que acontecia, entretanto o suspiro pesado deixava óbvio a falta de paciência. — Vamos passar o dia todo apontando o dedo um na cara do outro até descobrir que ninguém sabe de nada? – Não houve resposta, apenas tossidas sem jeito de Vicent percebendo sua falta de compostura. — Ótimo plano, rapazes.
O tom irônico que usou fez o maior desviar o rosto como se sentisse decepcionado consigo mesmo por ter iniciado tudo isso. A cena fez Daichi ao seu lado sorrir impressionado. Era difícil vê-lo perder a calma, por isso, ver seu rosto envergonhado pareceu tão divertido.
— Isso é um bosque, certo? – Rudy notou as coisas saindo do controle e olhou ao redor procurando mudar o assunto. — Se andarmos um pouco talvez ajude a lembrar de algo.
— Aqui está. Um bom plano, obrigada.
Era óbvio que todos estavam passando pela mesma situação catastrófica dentro e fora de suas cabeças. Os nove não sabiam como tinham chegado ali e nem o que aconteceu para terem caído no sono. Quanto mais tentavam encontrar a resposta mais dúvidas surgiam a ponto de começarem a se questionar o que tinham feito na noite anterior e há quanto tempo estavam perdidos ali.