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–Qual é o seu problema? – Um grito agudo penetrou meus ouvidos e minha cabeça seguido de um tapa, me tirando de mais um transe completo que as águas do oceano me causavam.

–Sabia que é perigoso bater em alguém manipulando um leme? – Brinquei com a situação, ignorando a raiva da menina.

–Por quê fez isso comigo? Tem noção de tudo o que eu tive que aguentar lá dentro?

–O mesmo que eu, tenho certeza! Não esqueça de que foi por sua culpa que eu fui para lá, para começo de conversa. Eu estava bem aqui, sozinho. – Virei-me de costas para ela. Olhando para o horizonte e para a imensidão azul.

–Traidor!! – Mostrou a língua de forma zombeteira. Puxei ela em um abraço e baguncei seu cabelo.

– Ouvir os sermões de seu pai não vai te matar! Talvez ainda te salve de muita besteira que você queira fazer, um dia.

Haley permaneceu um bom tempo ali. Sem falar, sem se mexer. Percebia que ela me olhava enquanto achava as palavras certas para dizer algo.

–Você realmente acha que vamos encontrar um novo lugar para morar? – Ela se sentou na mureta de madeira, ao meu lado, concentrada nos movimentos que fazia com seus dedos –Quero dizer. Já faz tanto tempo. No começo tínhamos tanta esperança, e agora parece que esse navio e esse oceano já fazem parte de nós... Para sempre!

–Isso não seria tão ruim. – Joguei as palavras sem dá-las a devida importância. Ainda hipnotizado pelo mar

Haley parou alguns segundos para processar a informação. Abriu a boca e logo a fechou, desistindo de se pronunciar. Ela permaneceu ao meu lado, por um longo e indefinido tempo. Eu já havia me esquecido de nossa breve conversa e de sua presença tão silenciosa ao meu lado, concentrado na direção do vento.

–O que mudou? – Ela parecia desconcertada. Olhando fixamente para o chão

– O quê?

–Você. O que mudou em você? Quando entramos neste navio você odiava profundamente tudo isso. Quero dizer, você odiava estarmos presos no oceano. Você odiava o oceano. Isso sem contar de seu ódio claro por este navio que você chamava de “monstro de madeira inútil”. Fora que jamais me diria que os sermões e conselhos do meu pai são úteis. Você nunca foi do tipo família. Onde foi parar todo esse ódio? O que mudou?

Permaneci por tanto tempo em silêncio buscando alguma resposta que de fato fizesse sentido, que quase senti Haley me chamando novamente perguntando se eu havia me esquecido dela ou de que estávamos conversando. Por fim, respondi.

–Quando conheci seu pai e o Ed eu também não posso dizer que gostava deles. Aliás, eu não gostava de ninguém. Precisei aturá-los por muito tempo, para tentar obter sucesso no que eu queria. Não poderia sair dali, e não poderia de fato mostrar quem eu era. Eu estava escondido e foragido. Seu pai e seu padrinho não me conheciam, e de bom coração me ajudaram, sem saber que na verdade estavam caminhando em direção a morte.
       Não sei de fato quando tudo começou a mudar. Mas me lembro nas diversas vezes que pensei em estrangular o Ed, ou coisa parecida. Ele sempre foi a pessoa mais irritante da face da Terra – Haley me acompanhou em uma breve risada e um aceno de cabeça, concordando comigo. - E como você bem sabe, antigamente matar não era um problema para mim. Eu fiquei tempo demais com eles, eu acabei os conhecendo e isso levou a minha ruína como assassino. Aos poucos comecei a me conformar com esta vida e a pesar meus princípios. O que valia a pena e o que era realmente importante.
       No final, acabei abandonando minha antiga história e toda aquela solidão. Deixei de ser um assassino sanguinário para fazer parte de uma família. Uma família bagunçada e estranha... Mas ainda sim uma família. 
       O que quero dizer, é que o tempo pode nos mudar. Pode mudar o que sentimento ou pensamos referente a algo ou a uma pessoa. Eu ainda odeio o fato de termos perdido nossa casa, e estarmos à deriva desde então. Mas acho que finalmente passei a aceitar nossa situação, e me acostumar a ela. Além do mais, descobri que o oceano pode ser um ótimo companheiro. Ele me atrai de alguma forma

–Céus, você parece um apaixonado falando! – Gargalhou Haley após tanto tempo prestando atenção em minha história.

–E lá vamos nós de novo! Não aprendeu nada de importante com tudo isso?

–Aprendi que o mar pode fazer o homem mais durão do mundo virar um cara cheio de sentimentos – Haley segurava o riso, sem sucessos.

Bufei enquanto corria atrás de Haley, fingindo estar zangado. Quando ela se cansou, aproveitei-me que seu pai estava passando pelo deque e gritei o mais alto que pude:

–Namorar escondido Haley? Tenho certeza que seu pai não vai aprovar seu namoro com esse garoto que você me disse – Cantarolei enquanto dizia palavra por palavra quase em sílabas, deixando claro o bastante para que Ben ouvisse e fosse tirar satisfação. O que de fato não demorou a acontecer. 
Ben subiu em segundos, pisando duro e gritando, encontrando uma Haley inconformada e com os olhos estalados.

–Traidor! Duplamente traidor! Isso é covardia, Diego! –A jovem vociferava, tentando gritar mais que o pai que já surtava ao seu lado.

–Isso é justiça! – Gargalhei me divertindo com Benjen gritando palavras sem nexo para Haley que tampava seus ouvidos e fugia de seu pai, correndo ao convés procurando a ajuda de sua mãe.

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⏰ Last updated: Aug 16, 2019 ⏰

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