-Eiii, é hora de acordar, Duda.
Eduarda se mexe na cama lentamente, bocejando e abrindo seus olhos de forma devagar, se acostumando com a sensação do despertar.
-Bom dia...-Ela responde num sussurro tão baixo quanto a fala que a despertou, para não acordar nenhum de seus colegas de quarto.
No total, eram cinco, contando com ela. Teve a sorte (ou talvez azar) de estar no quarto mais novo e com menos ocupantes, entretanto, não escolheu estar ali, seus próprios companheiros do antigo quarto optaram por clamar a sua transferência, e ela apenas aceitou. Se isolar das pessoas e concordar com aquilo que diziam com o intuito de evitar discussões era algo rotineiro em sua vida e, talvez, o mais recorrente tipo de interação social que costumava realizar dentro do orfanato em que morava desde que nascera.
O local não era muito grande, e não sofreu grandes reformas desde o dia em que ela chegou, com a exceção da construção do quarto em que ela vinha dormindo nos últimos meses, os reparos rotineiros em equipamentos da cozinha que se quebravam e uma grande reforma realizada no maior banheiro do segundo andar, que se provou necessária quando o encanamento do cômodo não pôde mais suportar o desgaste causado pelo tempo e estourou durante o banho de uma das garotas mais velhas que ali viviam. Duda se lembrava bem desse dia, afinal, foi um dos únicos dias em que algo verdadeiramente interessante aconteceu dentro daquele pacato lugar o qual ela nem se atrevia a explorar: tudo ali simplesmente a desanimava, sentia, assim como todos os outros, que aquele não era o seu lugar, mas de uma forma muito mais intensa: era uma das únicas crianças que não se interessava verdadeiramente em ser adotada, não, ela apenas passava seu tempo em três locais do orfanato e, agora, estava em um desses locais: seu quarto.
Ele era grande e espaçoso, afinal, aguardava a chegada de novos moradores que viriam ocasionalmente; tinha as paredes pintadas num tom amarelo que, teoricamente, deveriam trazer uma sensação de alegria, mas a garota achava que o desgaste da tinta tornava aquela sensação de alegria algo falso, até mesmo morto. A única coisa de que gostava no quarto eram as camas vazias: nelas, as crianças poderiam repousar alguns de seus pertences, e isso a cabia perfeitamente, uma vez que, embora dedicada, ela não era um exemplo de organização.
Duda levantou-se, bocejou novamente e agarrou um nécessaire que ficava em cima de uma pequena mesa ao lado de sua cama, cujo interior guardava alguns itens de higiene pessoal da garota, como sua escova de dente e sua amada escova de cabelos, que sempre usava: para ela, escovar seus cabelos era algo terapêutico.
Saiu então do quarto se esforçando para fazer o mínimo de barulho possível, o que não era difícil, dado o fato de que ela estava habituada com o caminho até a porta, que não era longo, uma vez que sua cama era a mais próxima da saída do quarto.
Assim, saiu no corredor do terceiro andar do local e virou-se para a direita, indo em direção a um dos banheiros, enquanto era seguida por seu único amigo naquele lugar.
-Você dormiu bem? –Ele perguntou, agora usando seu tom de voz normal.
-Até que sim, o único problema é aquela cama... Tá me matando. –A garota reclamou, enquanto andavam juntos para o banheiro.
-Olha, ainda tem tipo... umas dez camas desocupadas ali, você pode tentar dormir em alguma outra, sabe disso, né? –Ele pergunta, parando na porta do banheiro.
Duda não responde, já tiveram essa conversa outras vezes e ambos sabem como ela vai terminar, entretanto, ele insiste em continuar com tal assunto, e isso a irrita. Ela entra no banheiro e tranca a porta, tomando um breve banho para iniciar seu dia, tentando não pensar no assunto que seu amigo começara, entretanto, era difícil para ela aceitar que ele jamais encerraria essa conversa: embora estivesse apenas querendo o seu bem, era muito fácil para ele sugerir a opção de trocar de cama e dormir perto das outras crianças, afinal, não era ele a pessoa taxada como "maluca" dentro daquele lugar. Aquilo a machucava. O fato de todos a excluírem a machucava, mas o que poderia fazer? Jamais resolveria tal problema, afinal, a única solução cabível a isso era abrir mão de seu único amigo, sua única família de verdade. Mas tal escolha tinha um preço: estar completamente sozinha, e ser a maluca que falava sozinha o tempo inteiro.
Concluiu seu banho com tais pensamentos em mente, pois não conseguiu evita-los e, então, vestiu-se com o uniforme do que era sua maior conquista: a sua escola. Lá, a situação era quase a mesma, com a exceção de algumas poucas pessoas que falavam com ela, mas ainda sim não eram seus amigos de verdade, ainda sim a achavam estranha. Entretanto, amava o local por um simples motivo: O colégio Alvo era um dos melhores de sua região e, felizmente, ela foi a felizarda que conseguiu uma bolsa de estudos de 100% dentro do local, o que permitiu que tivesse uma das melhores educações acadêmicas da cidade.
Escovou os dentes e, agora, encarava-se na frente de um grande espelho dentro do local. Aquele espelho tornava esse banheiro o favorito de Duda: apesar de ser, como quase tudo no orfanato, velho, estava quase intacto, com a exceção de uma rachadura ligeiramente grande em seu canto inferior esquerdo, entretanto, ela não atrapalhava o objeto, e ele continuava a cumprir sua função de forma exemplar.
A garota estava de frente para seu próprio reflexo, vendo a si enquanto penteava os cabelos: era, apesar de tudo, uma menina bonita, com seus quase 15 anos de idade, possuía cabelos médios, que chegavam até a altura de seus ombros, de um tom castanho claro e olhos levemente mais escuros, cuja cor ficava realmente bela sob a luz do Sol, possuía a pele branca, quase tão clara quanto à de seu amigo e usava um grande par de óculos que, surpreendentemente, combinavam com seu rosto.
Após seu breve momento de relaxamento, destrancou a porta do banheiro e encontrou, como esperado, seu amigo, que a perguntou com um sorriso que só ele sabia dar:
-E aí? Pensou no que te falei?
Duda observou-o por cima das lentes de seus óculos com um olhar de incredulidade e retrucou:
-É fácil pra você falar, nenhum deles nem vê você, Rule, você não precisa se sentir excluído quando eles nem sabem que podem te excluir...
Tudo bem, ok, você venceu, agora vamos voltar pro quarto e guardar isso ai, tudo bem? –Ele perguntou num tom de voz calmo, expressando estar rendido, e apontou para a toalha, pijama e nécessaire que estavam nas mãos de Duda.
-Tá. Vamos lá. –Ela respondeu sorrindo, e foi até o quarto que, agora, já estava com as luzes acessas: nesse horário, seus colegas possivelmente haviam acabado de acordar.
Foram então, caminhando lado a lado, sem mais trocar uma só palavra durante o curto caminho, mas não estavam chateados um com o outro. Duda, apesar de tudo, era a pessoa mais grata do mundo por ter a presença de Rule com ela, embora isso significasse não ter outras pessoas, jamais o abandonaria: ele fazia parte dela, estava com ela desde quando a garota nasceu e, para ela, ele não era um pai, irmão ou amigo, era a mistura entre eles, era seu bem maior.
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Paladia - O Renascimento
Teen FictionDuda é uma órfã com o estranho hábito de falar sozinha, que tem uma vida solitária e anceia por um futuro melhor. Entretanto, tudo isso muda na noite de seu aniversário de 15 anos, quando ela descobre que aquilo que pensava ser só parte de sua imagi...