Liv estava na varanda com o violão na mão e a cabeça longe. Seus pensamentos teimavam em voltar para a cena do carro, repassando várias vezes atrás de seus olhos enquanto ela sorria feito boba para o mar.
Mesmo já tendo se passado quase duas horas que Kevin a deixou em casa ela ainda sentia seu cheiro amadeirado, a intensidade do seu olhar, o calor do seu corpo próximo ao dela, a gravidade de sua voz quando cantada. Ela só queria ficar um pouco mais com ele, mas ele precisava trabalhar, e ela já tinha o atrapalhado o suficiente.
Ela suspirou tocando alguns acordes aleatórios enquanto observava o vai e vem das ondas da praia quase vazia àquela hora.
Estava começando a ficar frio e ela com certeza deveria entrar, mas seus pensamentos, aparentemente, invalidavam a suas pernas e ela não se via capaz de se mover.
Alguém irrompeu pela porta da casa e parou ao seu lado. Sof dava pequenos pulinhos, visivelmente agitada, estendendo para Liv seu próprio celular.
-Que foi? -ela perguntou erguendo uma sobrancelha para a animação de Sof.
-Telefone pra você. -ela mordeu o lábio inferior tentando inutilmente segurar um sorriso.
Liv revirou os olhos e pegou o celular.
-Eu nem imagino quem é... -Sof estava quase explodindo de empolgação quando Liv colocou o telefone na orelha. -Alô?
-Boa quase noite, m'lady. -a voz de Kevin soou tão animada quanto os pulinhos de Sof.
-Bom fim de tarde, raio de sol. -ela riu. -Se ligou pra saber como eu estou, vou poupar o seu tempo: eu tô com um pouquinho de dor no pé, mas nada insuportável. E se você me pedir desculpas de novo eu vou pulando até a sua casa que nem um saci e vou bater em você!
Kevin riu do outro lado da linha, e Liv acabou rindo também. Ela olhou para frente, em direção ao cais e percebeu uma pequena luz laranja. Franzindo a testa ela tentou olhar melhor, mas estava longe demais para distinguir qualquer forma.
-Eu acho que você me conhece bem demais pra quem só me vê há três dias. -ele disse como um sermão, mas a diversão estava clara em sua voz.
-Você é super fácil de ler. -Liv disse com superioridade fingida.
-Você também é! -Kevin se defendeu. Ambos riram. -Bom, apesar de você ter acertado uma boa parte do tema da conversa que eu queria ter com você, eu ainda tenho mais uma coisa pra falar.
-Então manda! -Liv pediu quando ele ficou quieto.
-Ok. Eu fiquei muito mal por ter te machucado e estragado suas férias. -ela estava abrindo a boca para contrariar, mas não teve tempo. -E não ouse discutir comigo dizendo o contrário, porque foi exatamente o que aconteceu!
-Ah, eu acho que você me conhece bem demais pra quem só me vê há três dias! -ela reclamou, sorrindo.
-Almas gêmeas se conhecem bem demais, Liv. -ele disse em um tom brincalhão e sério ao mesmo tempo. Como ele conseguia fazer aquilo, Liv realmente não sabia. -De qualquer forma, eu queria me redimir e preparei algo bem legal pra você!
Podia parecer estranho, mas Liv podia jurar que a voz dele estava mais clara do que no começo da ligação. O sinal deve ter melhorado por lá. ela pensou, se consolando.
-E o que você preparou? -ela perguntou se virando para olhar o mar e acabou encontrando um homem andando pela praia com a mão na cabeça, andando em direção à casa dela. -Sof, você tá vendo aquele cara também, ou eu fiquei doida? -ela perguntou se virando para a porta, mas Sofia não estava mais lá.
-O quê? -Kevin perguntou.
-Ah, nada. -ela balançou a cabeça tentando de todas as formas ignorar o homem na praia. -Então, vai responder a minha pergunta?
-Claro! -a empolgação voltou a sua voz. -Eu fiz um complô com suas amigas e descobri muitas coisas bem interessantes sobre você. E muito úteis!
-Então essa coisa que você preparou foi finalmente me contar que você é um stalker sociopata? -ela provocou sorrindo, sua concentração agora à kilometros do homem da praia, que estava cada vez mais perto.
-Olha aqui, eu não sou sociopata, mas talvez um pouquinho stalker, sim. -ele fingiu estar ofendido, mas riu mesmo assim. -Mas não, essa não é a surpresa.
-Tá, e qual é? Eu fiquei curiosa! -ela apoiou o pé machucado na outra cadeira na varanda e ficou olhando a bota ortopédica, inclinando o pé de um lado para o outro para ver de outros ângulos.
-A surpresa... -a voz dele estava mais alta agora, como se ele estivesse ao seu lado. -está... -ela sentiu o chão da varanda ranger e ceder um pouco. Ela olhou alarmada para cima e o homem da praia estava na sua frente. Com um telefone na orelha.
A varanda estava escura para que ela distinguisse quem quer que fosse. O desespero tirou do seu cérebro qualquer bom senso, e a primeira coisa que ela pensou em fazer ao ver aquela sombra chegando cada vez mais perto foi impulsionar o pé bom na sua direção com a maior força que conseguisse. E assim ela o fez, soltando um grito e acertando o homem na virilha. A sombra se dobrou de dor, dando tempo para Liv pular sobre o pé bom e ir até a porta acender a luz da varanda.
-What the hell? O que foi isso? -Astrid gritou correndo até Liv.
-Eu não sei! -Liv gritou de volta. -Esse cara apareceu do nada e tava me encarando lá da praia!
-É, eu não devia ter feito isso. Admito que foi idiota! -o homem disse ainda dobrado no chão. A voz era extremamente familiar e fez Liv quase desmontar de alívio para então se preocupar demais.
-Me diz que eu não chutei o saco do Kevin. -ela sussurrou para Astrid.
-Você chutou o saco do Kevin. -ele disse do chão. -E tá doendo que nem mil demônios!
-Ai meu Deus, Kevin! -Liv pulou até ele e se ajoelhou ao seu lado. -Você quase me matou do coração! Que ideia foi essa?
-Era pra ser uma surpresa! -ele reclamou tentado se sentar. Liv ajudou ele a levantar e o sentou na cadeira da varanda.
-Maya, busca um saco de gelo, por favor? -ela pediu para Astrid, que correu de volta para dentro.
-Maya? -ele perguntou, erguendo uma sobrancelha. -Achei que o nome dela fosse Astrid.
-E é. E o segundo nome dela é Maya! -ela explicou, percebendo que a voz de Kevin transmitia toda a dor que ele estava sentindo. -Caramba, Kevin, me desculpa, mas você assustou o inferno de mim!
-Tudo bem, eu devia ter imaginando que teria te assustado. E como, aparentemente, você pensa bem rápido, eu realmente não devia ter feito isso!
-Como assim eu penso rápido? -ela perguntou se sentando na cadeira do lado e esticando a perna esquerda.
-Jura? O ônibus hoje de manhã? Esquece o que eu disse sobre você pensar rápido, você é bem lerdinha! -Kevin riu antes de levar um soco no braço.
-E parece que você já está melhor! -ela reclamou com as bochechas infladas. Liv cruzou os braços e afundou na cadeira.
-Sério que você vai ficar emburrada por causa disso? -Kevin perguntou. Liv inflou mais as bochechas em resposta. -Qual é, m'lady! Não fica assim.