Capítulo 01

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Sul do Brasil, final do século XIX

Lucila estava parada junto à porta da casa de seu cunhado, o marido de Aurora, olhando para o vazio da única rua de Felicidade. Pensava na reviravolta de sua vida em poucos meses. Era a primogênita do poderoso Coronel Junqueira e uma das herdeiras da Estância Santa Rita e deveria se orgulhar disso. Mas não, a jovem apenas conseguia se envergonhar do pai que tinha. Não se arrependia de ter saído da estância para viver em uma pequena vila de imigrantes italianos, contando com a generosidade dos Bertoluzzi mesmo que se sentisse envergonhada por isso.

Aurora, sua irmã caçula, havia sido dada em casamento a um italiano de posses em troca de que ele quitasse as dívidas da estância, salvando o pai da completa ruína. Muitas coisas haviam acontecido desde então, como a descoberta de que Aurora não era filha legítima do coronel, e sim fruto de uma traição de sua mãe com um imigrante.

Anastácia Junqueira havia se casado muito jovem, praticamente uma menina, com Junqueira e com o dinheiro do seu dote ele comprara terras ao Sul do País e ali fundaram a Estância Santa Rita. Lucila sabia que o sonho do pai era ter tido um filho varão, mas quis o destino que só vingassem as filhas e isso lhe fez um homem amargo. A traição da esposa acabou tornando-o um homem enraivecido e sem qualquer benevolência ao tratar Aurora com tanto desprezo. Ela não merecia ter crescido em meio a tanta amargura e foi isso que fez Lucila abandonar o pai e aceitar o convite de morar com Aurora em Felicidade, uma vila de imigrantes italianos não muito distante da fazenda onde crescera e cercada do verde das matas da região.

Os Bertoluzzi eram pessoas simples e com um grande coração. Lucila temia incomodá-los e por isso precisava decidir seu futuro, talvez viajar até a Capital e lá conseguir uma ocupação que possibilitasse sustentá-la sem depender da caridade de ninguém.

Mas pensar parecia mais fácil do que colocar as ideias em prática quando se era mulher em um mundo dominado por ideias masculinas. E assim, Lucila seguia em Felicidade com o coração carregado de dúvidas e medos, encarando o porvir com poucas expectativas e tentando se desfazer das lembranças tortuosas do passado.

Dona Gema, a sogra da irmã, tentava lhe animar, dizendo-lhe que era uma mulher bonita e inteligente, e logo algum italiano da região a cortejaria. Mas Lucila não queria ser cortejada. Na verdade, não queria se casar para evitar sentir a mesma dor que a mãe.

— Lucila, Lucila! – Gema atravessava o portão da mais imponente casario da pequena vila com as bochechas vermelhas pelo esforço de apressar o passo. — Não vai acreditar!

— O que foi, Dona Gema? – A Junqueira olhou para a sogra da irmã, estendendo os braços para ajudá-la com os pacotes que guardava os mantimentos comprados no armazém do Seu Ferri, um italiano gordo, cujo bigode grande lhe lembrava a aparência de um bode velho. Lucila inclusive considerava perguntar ao velho comerciante se não tinha uma vaga como atendente. Sabia ler e fazer contas muito bem.

— A charrete de Matteo se aproxima. – As notícias corriam rápido em Felicidade, pensou Lucila. — Que pecado! Sequer consegui assar as bolachas de nata para recebê-los. É a bolacha preferida de Aurora. – Aquele carinho com sua irmã a comovia e lhe dava a certeza de que Aurora estava em boas mãos. Era mais amada ali entre os italianos do que na estância. Por mais que Lucila e Bibiana tentassem protegê-la, Aurora sempre acabava sendo vítima dos maus tratos do coronel, que o lembrava da traição da esposa.

— Tenho certeza que a janta será estupenda. – Lucila tentou apaziguar a preocupação da velha italiana.

Bruta bestia, o que custava terem mandado um mensageiro avisar que estavam próximos?! – Jogou as mãos para cima, um de seus efusivos gestos. Lucila, no início, achava Dona Gema exagerada, mas acabou se afeiçoando à mulher, pois compreendeu que era seu jeito de tratar quem lhe era amado.

A Amante do Alemão (Série Homens do Sul, Livro II) *AMOSTRA*Onde histórias criam vida. Descubra agora