A Fuga parte 1

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Parte 1: Muita coisa pode acontecer em um mês

14 anos... 14 anos da minha vida que eu ficaria presa naquele inferno. Ou eram pra ser 14... A verdade é que nos primeiros meses os meus "delitos" se transformaram em mais tempo... Nada muito grande, alguns meses. Para mim não faria diferença, uns meses a mais, uns meses a menos... Eu sairia dali muito antes. Eu sempre pensava nisso. Não importava os anos prescritos na sentença. Eu não ficaria presa por muito tempo. Tenho bons amigos, boas ideias e um bom dinheiro que muitos matariam para conseguir.

Foram ao todo 4 fulgas bem sucedidas, duas deram muito errado e resultou na morte de uma das minhas poucas amigas dentro da prisão. Infelizmente quem foge uma hora acaba sendo pego.

E eu, bom... Eu
gosto de chamar atenção, por isso não sou uma boa fugitiva. Sou boa em escapar, mas não em ficar na encolha.

Depois de 4 fulgas... Digamos que eles não me davam tempo para planejar a próxima. Sempre me transferindo de presídio em presídio para que eu não pudesse nem planejar, nem botar em prática. E foi nesse rodízio de presídios que eu acabei em Cruz del Norte na Espanha.

Eu não me importava mais com a revista, já passei por isso mais vezes do que eu poderia contar. Em 5 anos eu já estive presa em tantos lugares que alguma hora eles acabariam repetindo os presídios. E na hora que cometessem esse erro eu certamente estaria pronta.

Passei pelas outras celas, algumas presas gritavam, ofensas, obscenidades. Por mais que eu mudasse de prisão constantemente, aquilo parecia ser uma recepção padrão para todos os presídios.

Me mandaram direto para o bloco 03, e depois simplesmente me fecharam em uma cela com 3 beliches. Havia uma garota ruiva sentada em uma das camas que não parava de olhar pra mim.

-Qual o beliche que está livre? - Perguntei segurando minhas coisas

Ela não fez questão de abrir a boca para me responder. Simplesmente apontou para o lado, para a cama de cima e continuou me observando.

Preferia ignorar os olhares do que começar uma briga sem muitos motivos. Afinal, se eu tivesse um bom comportamento talvez me deixassem ficar mais que algumas semanas naquele lugar que mesmo sendo horrível me dava uma chance.

Arrumei minha cama rapidamente e logo me deitei. Não demorou muito até que a cela estivesse repleta de mulheres desconhecidas. Entre elas uma me chamou a atenção. Ela era alta, gorda, seus olhos eram grandes e ela parecia ser uma daquelas valentonas que roubava o lanche dos mais novos no colégio. Ela se aproximou da ruiva que já estava comigo na cela. Trocaram algumas palavras e logo eram dois pares de olhos sobre mim.

-Otimo... - Lamentei arrumando o travesseiro e desviando o olhar.

Quando senti minha cama se mechendo sabia que era alguém se deitando na cama de baixo. Olhei disfarçadamente encontrando uma mulher de cabelos negros e olhos verdes, ao seu lado estava sentada uma mulher alta, magra e se a minha dedução estivesse correta ela era uma autêntica cigana.

Elas sussuravam alguma coisa que eu não entendia, e enquanto eu acreditava que estava as olhando discretamente, percebi que não estava sendo nada discreta quando aqueles olhos verdes se cruzaram com os meus.

Eu logo me ajeitei na cama como se nada tivesse acontecido. E continuei ouvindo sussurros

-Eu tenho certeza que é... - Ouvia uma voz baixinha

-Eu não sei Zulema... Eu estou quase cumprindo a minha pena... - Falou a outra parecendo receosa

-Não vai se envolver, eu prometo - Ouvi por fim antes de ver a cigana levantando da cama

Acompanhei a mulher com o olhar até que ela saiu da cela e consequentemente do meu campo de visão.

-Gostou? - Perguntou a mulher que estava na cama de baixo

-O que? - Perguntei confusa vendo ela se elevantar e se aproximar da minha cama

-Se gostou da minha cigana? - Perguntou novamente com um de seus braços encostado no meu colchão quase tocando uma de minhas pernas

-Não terei tempo para gostar ou desgostar de ninguém aqui - Respondi sem dar detalhes mas ela parecia interessada

-Isso por quê está planejando fugir? - Era uma pergunta, mas era quase afirmativa

-Então sabe quem sou - Me sentei na cama a olhando de cima

-Leona Reis... Ja fugiu mais vezes que eu, acho que tenho que te parabenizar - Disse tomando a liberdade de subir para a minha cama, mas eu não a impedi.

-Parabenizar pelo que? Ainda estou presa... Me mande os parabéns quando eu estiver numa praia paradisíaca com a Shakira cantando pra mim - Brinquei desviando o olhar

-Então não tem plano? - Ela parecia decepcionada

-Se existisse um plano, acha mesmo que eu te contaria? Eu nem conheço você

-Zulema Zahir - Ela estendeu a mão para me cumprimentar

-Eu sinto muito, Mas não terei tempo nem de decorar o seu nome. Garanto que em menos de um mês vão me transfirir de novo.

-Um mês... Podemos fazer muito em um mês

-Eu levo pelo menos três pra planejar algo assim

-Mas dessa vez não vai estar sozinha

-Se oferecendo para fugir comigo? Não vai me pagar um jantar antes?

-Se sairmos daqui, eu pago o que você quiser.

Eu não conhecia aquela mulher, não tinha razão alguma para confiar nela. Mas ela parecia tão empenhada quanto eu em fugir daquele lugar. Sabia que não teria chances dessa fulga dar certo. Mas poderia me divertir planejando com Zulema.

-Melhor fazer as reservas então. Me deve um jantar

Quando ela abriu a boca para me responder, um dos guardas gritou seu nome a mandando para o seu beliche antes de nos trancar como animais.

Zulema não disse mais nada, eu muito menos, tentaria dormir e amanhã trabalharia nessa "fuga"

Zulema Zahir, As Histórias Não Contadas Onde histórias criam vida. Descubra agora