Foi o abrir de olhos mais doce que eu já tive. É assim que é acordar do lado de alguém que você ama? Se sim, não volto para a aquela mansão nunca mais, mentira, tinha que ir, era o melhor a se fazer. Lambi o rosto de Bia, era o mais perto de um beijo de bom dia que podia lhe dar. Saltei pela janela e saí correndo em direção aos Mezzanotte. Chegando à mansão, todos os outros gatos estavam indo tomar café, Lino conversava com Lynx. A conversa parecia boa, esperei os outros saírem de perto e na primeira oportunidade, eu o peguei pela cauda, ele não ficou nada feliz, soltou um xingamento e quando me olhou, sua expressão mudou para surpresa.
- Oi – Eu disse, constrangido.
- Chegou finalmente, hein.
- É. Desculpa. Por ontem.
- Tudo bem, você tava bem triste ontem. Relaxa.
Ele pegou minha cabeça e me abraçou e fomos para a sala menor. Eu ia em direção às cortinas, até que esbarrei numa parede peluda. Não era uma parede, era um gato amarelo escuro, grande, de cabeça larga marcada com uma estrela e seus olhos verdes claros malévolos. Sua presença era um rugido, seu pelo, uma juba ambulante, uma cicatriz no queixo o deixava ainda mais amedrontador. Aquele era Régulo, o familiar do dono Félix, marido de dona Ofélia e patriarca da casa Mezzanotte.
- Iota. Justamente o gato que eu estava procurando. – Disse Régulo sorrindo maliciosamente.
- É mesmo? – Perguntei.
Senti um arranhão no rosto e cai duro no chão, mal consegui levantar. Todos os semifamiliares se petrificaram de medo, até mesmo Lino, nenhum conseguia dar um passo a frente. Não os culpo, eu nunca iria separar uma briga entre um familiar e um servo, ainda mais se a briga envolve o Régulo. Eu me levantei e ele se aproximou.
- Você é tão inútil que não consegue fazer uma simples tarefa de entregar comida? Mas é um imprestável. – Dizia me menosprezando. – Sabia que o senhor e a senhora Mazzanotte quase foram humilhados por sua culpa?
Ele continuou a me bater.
- Eu sinto muito.
- Não. – Disse ele- A culpa é minha por achar que você conseguiria não estragar as coisas. Talvez você dê um ótimo tamborim, já é irritante e barulhento mesmo.
Antes que ele pudesse me dar o bote, Danebola chegou, encarando-o seriamente, rosnando. Os dois trocaram olhares, ele saiu da sala relutante, acho que ele queria me bater mais, acho não, tenho certeza que queria, Régulo sentia um prazer em lembrar constantemente dos outros que ele era o alfa.
- Lino, pode ajuda-lo, por favor?
Lino veio rapidamente e me pegou pela boca, tentando me fazer ficar de pé. Ao sair, Danebola falou.
- Iota, talvez eu tenha sido muito dura com você ontem à noite. Fico feliz que está de volta.
Ela sorriu pra mim, eu sorri pra ela. Achei que ela ia me levantar mas só limpou uma gota de sangue caída no chão, nada fora do comum, até eu notar seus olhos fixados em suas patas manchadas, estavam preocupados. Ela virou as costas saindo da sala.
- Pode descansar por alguns minutos, Iota, depois quero ver os dois na sala de poções.
Danebola era rígida, e muitas vezes se preocupava demais com os humanos da mansão, mais do que de seus gatos, porém, ela tentava o seu melhor. Admito que fui injusto ao compará-la com Régulo, embora os dois sejam familiares da casa, não eram nada parecidos. Régulo era um valentão sádico, e Danebola é aquele tipo de tia do "amor duro". A relação dos dois era um amor e ódio de dois irmãos, se por um lado eles não eram os maiores fãs das atitudes um do outro, discordando em quase tudo; por outro, eles se entendiam só com um olhar, não sei que magia era, mas era magia forte.
- Igual ao Régulo, né? – Disse Lino sorrindo, enquanto me levantava.
- Cala a boca. –Respondi atravessado.
Eu fui para os aposentos dos servos da casa, tomei um banho limpando os cortes que Régulo havia feito e me deitei no chão antes de voltar a trabalhar. Danebola nunca tinha me dado descanso, acho que ela estava amolecendo.
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Um gato e seu amor eclipsado
RomanceIota é um gato preto na mansão dos bruxos da família Mezzanotte, sempre dando duro no seu trabalho como um dos serviçais da família. O gato encontra na rua uma garota chamada Bia, a quem inexplicavelmente sente uma forte atração. Ele está disposto...