Prólogo

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Morgan Grier, o detetive e policial aposentado de Sol Nascente, entrou pela porta do Bar da Madrugada tentando não chamar atenção. Era um homem esguio de 63 anos, pele negra e olhos verdes, com um queixo pontudo encoberto por uma característica barba desleixada.

Escolheu a mesa mais próxima à janela e chamou o garçom para pedir um copo de café.

Beirava às 16 horas, Morgan observava as pessoas irem e virem nos mais variados ritmos. Deu dois goles curtos na bebida e se manteve em silêncio, evitando os olhares eventualmente dirigidos a ele.

Todos o conheciam por aquelas bandas, afinal, por 35 anos - os quais recordava cada momento - ele esteve envolvido em várias investigações que estamparam as capas dos jornais de todo o Estado de São Aldo.

A televisão sobre o balcão competia com os diversos barulhos do ambiente. Conseguia capturar vez ou outra alguma informação do noticiário àquela distância. Desgraças sucedidas por histórias com finais felizes, e então novas desgraças. Admirava o jogo de cintura dos âncoras. "Não é fácil." Pensou.

A porta do estabelecimento foi aberta lentamente, uma cadeira de rodas motorizada circulou com dificuldade por entre os curiosos, até cuidadosamente desembocar em frente ao detetive. - Boa noite, Morgan. - Disse Andrew.

-Como vai, grande herói? - O detetive saudou. Depois parou, observou, e suspirou. - Faz anos que não o vejo assim. Como se sente?

- Estranho... - Andrew Stanley não conseguia disfarçar o desconforto que sentia. Tinha 23 anos e cabelos encaracolados que escondiam vez ou outra seus intensos olhos negros. A pele era parda, e acabava de maneira repentina onde comumente o braço direito e a perna esquerda estariam.

Mas não fazia qualquer questão de esconder sua real condição. Aos olhares curiosos ou preconceituosos, ao choque das crianças, aos desapontamentos sem justificativa, respondia a todos com enfrentamento e legitimidade, ainda que fossem cada vez mais raras as suas aparições sem as próteses.

- Rapaz, se eu fosse você, tiraria a tristeza do rosto e tomaria uma boa bebida. Posso ter me aposentado faz um tempo, mas sei bem que uma folga não acontece todos os dias nessa profissão. Certo?

Andrew assentiu com a cabeça.

- Estou voltando dos exames agora.

- E a julgar pela sua expressão...

- Sim, os efeitos da bateria são cada vez mais nocivos. - Andrew baixou a cabeça para esconder uma lágrima que escorreu.

Ambos calaram por um instante.

- Quer que eu leve você para assistir um filme qualquer?

Andrew cedeu um sorriso pálido.

- Animar pessoas nunca foi o seu forte.

Na outra extremidade do local, um garçom novato derrubou bebida num cliente, que bradou insultos furiosos. Alguém que parecia ser o gerente surgiu em um segundo. Trouxe uma proposta inaudível àquela distância, mas que conseguiu acalmar os ânimos. A televisão trazia "notícias sobre equipamentos defeituosos da Bennet."

Morgan respirou fundo.

- Veja, daqui a pouco você cumprirá a meta, só precisa continuar seu trabalho.

- E reduzir as estatísticas de violência pela metade? Morgan, ninguém do projeto conseguiu esse feito... No país inteiro! - Andrew disse as últimas palavras em tom descrente.

- Ainda, rapaz. Mas olhe ao redor, as pessoas já se sentem mais seguras.

- Somos apenas humanos usados em experimentos, somos defeituosos. - Andrew se aproximou. - Veja o meu estado. Não tenho condições de arcar com uma responsabilidade tão grande.

- Você é o herói desse povo, já deu conta de casos que nem mesmo eu ousaria colocar o dedo.

- E ainda assim não é o suficiente. - Andrew socou a mesa frustrado. As pessoas ao redor silenciaram, voltando a atenção para a mesa do policial aposentado. Percebendo o que causou, Andrew voltou a se aproximar e cochichou.

- Eu nem sei se essas baterias aprimoradas realmente existem! Estamos morrendo em busca de algo incerto.

Morgan franziu a testa.

- Depois de tudo que Douglas Bennet fez por você, acha que ele é um mentiroso?

- Ele também teve seus lucros com o projeto.

- Está brincando? - Questionou Morgan. - Se, e somente se ele fosse indiferente, você poderia até dizer que o foi com os outros, mas com você? Não, Andrew, está enganado. Ele até o visitou no hospital. Você conhece ele desde antes do acidente. - Morgan o encarou por um instante. - Nenhum dos outros recebeu duas partes. Acorda, garoto! Você pode fazer a diferença.

Não houve resposta, reinaram as gargalhadas forçadas vindas da televisão, havia algum programa de humor rotineiro no ar. Morgan levantou a mão, e o garçom novato seguiu até a mesa deles quase aos prantos por algum puxão de orelha recebido nos bastidores.

- Em que posso ajudar? - Disse ele.

- Traga uma bebida bem quente para o nosso herói. - O detetive sacou algumas notas amassadas do bolso. - Pode ficar com o troco. - O garoto agradeceu com um gesto de cabeça e partiu.

- Poderia me deixar pagar ao menos uma vez? - Protestou Andrew.

- Eu faço questão, você sabe. É do meu jeito. - Sacou um relógio de bolso metálico - Preciso ir.

- Já?

- Desculpe, mas meus deveres de aposentado me chamam.

Andrew sorriu.

- E quais seriam eles?

- Se eu contar ficará tentado. - Sorriu. - Boa noite, garoto. E acredite, vai dar tudo certo.

- Obrigado. - Andrew forjou um sorriso animador. - Boa noite, Morgan.

- Nos vemos. - Disse o detetive antes de caminhar rumo à porta.

Estava prestes a encontrar a saída quando todo o lugar silenciou por conta do noticiário: "Notícia de última hora." Andrew se virou para dar atenção. "Morreu hoje Douglas Bennet, empresário amplamente renomado. O corpo foi encontrado no Instituto de Pesquisas da Bennet's Corp, que se encontra isolado pela polícia local. Mais informações.."

A cadeira motorizada seguiu rumo a Morgan.

- Vamos no meu carro. - Disse o policial aposentado enquanto os dois passavam pela porta apressados.

O Mistério de BennetOnde histórias criam vida. Descubra agora