O Eclesiástico do Testamento Perdido

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Conta-se esta história do falecido reverendo doutor Scot, um homem eminente por sua erudição e piedade e cujo juízo era conhecido por ser tão sólido que dificilmente se abalava.

O doutor, tal como me foi relatada a história, estava sentado sozinho ao lado da lareira, seja em seu estúdio ou em sua saleta em Broad Street, onde vivia, e lendo um livro, com a porta bem fechada e trancada. Ele tinha certeza de que não havia ninguém mais no aposento quando, erguendo casualmente a cabeça, ficou extremamente surpreso de ver sentado numa cadeira de braços do outro lado da lareira um cavalheiro idoso e grave, com uma vestimenta negra de veludo, uma longa cabeleira, e olhando-o com uma fisionomia agradável, como se estivesse a ponto de falar.

Uma outra pessoa que conta esta história diz que o velho cavalheiro apareceu de pé e, quando acabava de abrir a porta do estúdio e de nele penetrar, foi ele que saudou o doutor e primeiro falou com este último. Mas a diferença entre as duas versões é pequena.

As duas versões concordam em que o doutor ficou grandemente surpreso à vista do visitante. E é certo que vê-lo sentado era o que havia de mais surpreendente, pois o doutor, vendo o velho cavalheiro numa cadeira e sabendo que a porta estava trancada, devia imediatamente e à primeira vista ter concluído que se tratava de um espírito, ou aparição, ou o diabo, chamem-no vocês como quiserem. Se o tivesse visto perto da porta, deveria, à primeira vista, supor que era realmente um cavalheiro que viera falar-lhe, e podia pensar que deixara de trancar a porta, como pensava ter feito.

Mas, seja qual for a versão exata, o certo é que o doutor entrou em grande desordem àquela vista, como o reconheceu para as pessoas a quem contou a história e da boca das quais ouvi o relato, tendo, portanto, havido poucos intermediários entre o doutor e mim.

Foi o espectro, ao que parece, que começou a falar, pois faltou ânimo ao doutor, como ele disse, de se dirigir à aparição. Digo que o espectro ou a aparição falou em primeiro lugar e expressou o desejo de que o doutor não se amedrontasse ou se surpreendesse, pois não lhe causaria qualquer dano. Afirmou-lhe que vinha tratar de um assunto de grande importância para uma família prejudicada e que corria grande perigo de ser arruinada, e que, embora o doutor fosse um estranho para aquela família, ainda assim, sabendo-o um homem íntegro, ele (o espectro) o escolhera para executar um ato de acentuada caridade e de justiça, e que sabia que dele (doutor) podia depender em matéria de execução.

O doutor não se encontrava de início em condição de espírito que lhe permitisse receber bem esse prefácio com a atenção necessária, mas parecia antes inclinar-se a deixar o aposento, se pudesse, e fez uma ou duas vezes tentativas de chamar alguém da família, o que pareceu desagradar um tanto à aparição.

Mas parece que esse desagrado da aparição era pena perdida, pois ele (doutor), como contou mais tarde, estava desprovido do poder de sair do aposento, mesmo se estivesse perto da porta, ou de chamar socorro, se algum estivesse disponível.

Neste ponto a aparição, vendo que o doutor estava ainda imerso em confusão, solicitou-lhe novamente que recuperasse o controle de suas emoções, pois nada lhe aconteceria de mal ou próprio a inquietá-lo; solicitou-lhe também que lhe permitisse explicar o negócio que a fizera aparecer, o qual, quando o doutor o houvesse escutado, dar-lhe-ia talvez menos causa para ficar surpreso ou apreensivo do que se mostrava agora.

A essa altura, e dado o tom tranqüilo com que foi pronunciada a explicação que figura acima, o doutor recuperou-se do susto para dizer, embora ainda sem segurança:

— Em nome de Deus, que és tu?

— Desejo que não se amedronte — repetiu a aparição. — Sou um estranho para o senhor, e se lhe revelar o meu nome este nada lhe dirá, mas o senhor pode executar a tarefa sem perguntar.

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