O sarcófago

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 Yanni surgiu diante de uma montanha rodeada de nuvens brancas leitosas e extremamente fria. A manto purpura, como a apelidou em sua mente, jogou um manto sobre seus ombros e disse baixo e solene:

— Essa é a montanha Kulun, o ponto mais alto das terras da Nação das nuvens. Em cada um dos nove mundos, há uma montanha Kulun, é a primeira e única conexão que a Grande alma criou entre os mundos do nosso Universo. Os véus ou o lar das sacerdotisas do patrono do mundo como você conhece ou a cidade entre os nove mundos cuja entrada fica no alto atol que toda manhã tem sua porta revelada pelo recuo do nível do mar, como nós a chamamos, é a outra conexão, criada pelos quatro animais sagrados e unidas por nós, guardiãs do amor verdadeiro e suas peculiaridades. Nesta montanha está a porta que inicia sua saga e suas respostas. Nunca nenhum aprendiz chegou até aqui, nunca, mas você, jovem Pescadora de pérolas, é uma exceção.

Yanni jamais pensaria que poderia ouvir um discurso tão longo ou tantas explicações dadas de livre vontade daquela pessoa ao seu lado. Aquela mulher alta, de olhos negros profundos e aquele manto púrpura que a cobria dos pés à cabeça e que deixava apenas o rosto parcialmente descoberto, lhe sorriu serena e apontou silenciosa para uma pequena escadaria escavada na rocha que subia para além das nuvens, e por um longo tempo Yaani a encarou receosa até perguntar por fim:

— Eu tenho que subir?

Ela assentiu:

— Ao final daquela estrada há a boca de uma caverna, no final da caverna, no coração da montanha há um templo e dentro deste templo um sarcófago. Este sarcófago é capaz de muitas coisas, é uma construção antes mesmo de haver humanidade nesse mundo, é um presente da Grande alma e lá dentro está seu guardião, um dos nove Mantos Vermelhos que protegem o templo dentro do coração da montanha. Conte a ele sua história, do porquê aceitou ser aprendiz de sacerdotisa e ele lhe dirá o que fazer. Eu só posso acompanhá-la até aqui, afinal apenas três pessoas ou como se diz, três direitos, é permitido para a entrada dentro do templo do sarcófago e o uso dele: Quem possui o amor verdadeiro, quem ama aquele que possui o amor verdadeiro e por ele está disposto a tudo e o último direito que meus lábios não ousam dizer em voz alta. Eu não possuo nenhum dos três e por isso só posso ir até esse ponto da montanha.

Yanni não entendia aquelas palavras e nem tudo o que ela implicava, porém ela tinha dado o primeiro passo e sabia que já não havia volta.

Para ela agora só existia o caminho a frente e as respostas que precisava encontrar para ajudar seu irmão que a esperava em casa. Que a esperaria em casa...

— Quando eu lhe perguntei sobre onde iríamos, você disse que iríamos para o voo das borboletas e o desejo mais profundo da lagarta. Não vejo nada disso em um templo dentro de uma montanha com um sarcófago guardado por um guardião de manto vermelho.

— As vezes para encontrar as asas, é preciso atravessar as barreiras do casulo que nos cercam. Seu irmão está atrelado com um amor que de tão intenso e importante, transcendeu espaços contra todas as probabilidades. Está em suas mãos não só as respostas, mas pegar ambos os laços em cada ponta do fim da ponte e uni-las para sempre. Seu casulo se mistura com essa ponte, Pescadora de pérolas e só conseguirá romper uma e concretizar a outra, entrando naquela montanha. Seria determinista da minha parte lhe dizer que nasceu para isso, mas ouso dizer que se não nasceu, tem boas chances de resolver o enigma e solucionar um dos medos mais profundo dos deuses. A lagarta pode alçar voo com potentes asas do outro lado ou se prender a rastejar para o resto dos seus dias. Essa escolha será apenas dela mesma.

A jovem suspirou e partiu rumo a estrada íngreme, parando e se voltando de tempo em tempo para a figura que ficava cada vez mais distante e distante dela naquela imensidão cegante de um branco absoluto.

Yanni não fazia ideia para onde seus pés a estavam levando, mas todos os olhos dos deuses estavam sobre ela naquele instante, pois aquele instante mudaria todo o mundo...


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Gabril ergueu os olhos do grande livro e estremeceu.

Montanha Kulun... Por aquilo definitivamente não esperava!

Um arrepio estranho percorreu sua pele. Ela se lembrava bem de todas as histórias daquela montanha, afinal sua tribo era da terra e a Nação da terra sempre sabia e ouvia tudo o que acontecia dentro do solo, no mundo sob a superfície.

Engoliu em seco e voltou a ler com a sensação de que o que era divertido e irônico, a partir de agora, tomaria outro rumo. Não dava para provocar os deuses daquela montanha... Simplesmente eles eram outro negócio.

Yanni ficaria segura? Em que merda afinal aquela sacerdotisa jogou a pobre garota!?


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Yanni foi descendo e descendo sozinha pela caverna profunda e escura. Não sabia por quanto tempo caminhou ou para onde exatamente ia, porém em determinado momento uma luz vermelha surgiu diante dos seus olhos e a guiou silenciosamente pelo resto do caminho.

Um templo luxuoso, imponente e cujo teto era impossível de alcançar com sua visão limitada, se delineou a sua frente. Pilares longos esculpidos em corpos de lagartas guardavam o imenso local oval, pedra escura, pedra branca, pedras e pedras esculpidas em coisas que não conseguia identificar rodeavam todo o local até uma espécie de altar onde um sarcófago imponente de jade branca reluzia a luz de tochas ardentes.

Um homem coberto por um manto vermelho estava de lado, olhando para o sarcófago e com um rosto indecifrável. Ele não se moveu quando ela chegou, ele parecia não se mover há um longo e longo tempo.

Confusa ela foi até ele, mas hesitou em tocá-lo ou chamá-lo.

Por fim, dentro de sua indecisão de toda a cena estranha, ele virou a cabeça e a olhou com olhos brancos leitosos. Yanni deu dois passos para trás surpresa. Ele era cego?

— Veio em busca de respostas, mas não sou eu quem as tenho, é o Manto vermelho do nono mundo. Ele agora agoniza de preocupação, afinal ele teme o que todos nós vimos, porém nessa hora sombria a grande deusa lhe envia para que através do amor profundo, possa salvar-nos a todos. Se estiver de fato resoluta com esse dever, entre no sarcófago, se ainda tem alguma dúvida em seu coração, volte para sua vila de areias brancas.

— Eu tenho muitas dúvidas, meu senhor...

— A mente pode ter mil dúvidas, mas a dúvida que importa é aquela que pode nascer em seu coração. Ouça o seu coração, criança, o que ele lhe diz?

— Bem... Meu coração me pede para encontrar as respostas para o meu irmão e descobrir se ele ama uma pessoa real ou o fruto de um sonho falso. Ele me diz que devo fazer isso.

— E há alguma dúvida nesse pedido?

— Não, nenhuma.

Disse com convicção. Então o homem apontou para o sarcófago e disse solene:

— Então entre e encontre as respostas, pois afinal, mais vale uma vida curta vivida com amor do que todas as eras na fria solidão vazia.

Ele moveu a mão e a tampa se afastou abrindo o que parecia ser o sarcófago mais pesado do mundo. Yanni fechou os olhos, tomou coragem e foi até o objeto de jade branca, entrando nele com lentidão e se deitando na superfície funda, fria e sinistra.

A tampa se fechou e ela respirou fundo enquanto a luz desaparecia por completo.

E tudo se transformou.

GuyOnde histórias criam vida. Descubra agora