4 | tentativas.

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Estella sorriu, mas o sorriso não chegou aos olhos. 

— E, sabe, eles tem vários programas de ajuda lá, atividades extracurriculares, e tudo cai no histórico, e isso ajuda muito pra fechar o semestre suave. O pessoal de lá é muito de boa, Tel, e a cidade, nossa, é linda! Tem uma pizzaria perto do campus e de vez em quando a gente faz uma cotinha e vai lá, pra descontrair um pouco. Ah, e a gente tem que formar tipo um grupinho pra se enturmar, e o meu tem o Tico e o Teco, que são gêmeos, e não se chamam assim, a Minão, o Boia e a Beatriz, que não tem apelido porque ninguém vai com a cara dela. Meu apelido é Furão, porque uma vez eu... — surpreendentemente, Hugo parou de falar, e Estella ergueu o olhar, assustada. Ele percebeu.

Ele percebeu, e ela podia ver pela maneira que ele a encarava como estava chateado.

— Desculpa, Tel. Eu achei que você... Sei lá. Eu sabia que seria assim.

— O que você tá falando, Hugo? Eu só tô cansada, mas tô escutando.

— Mas você não quer escutar, e aposto que preferia estar dormindo do que aqui, comigo.

— Não, Hugo, para de besteira! É claro que eu prefiro estar aqui, com você, é só que... — Estella suspirou, estendendo as mãos para Hugo, que prontamente as segurou, a pele quente e suave colidindo com a frieza dela. 

Estavam na lanchonete onde ela trabalhava, numa mesa de canto, vendo o movimento parar e a cidade se silenciar. As luzes baixas traziam conforto ao ambiente, mas Estella não se sentia bem. E nem Hugo. Lá fora, chovia, e o vento frio incentivava as pessoas a permanecerem em casa. Um homem agasalhado passou pela calçada, e ela o assistiu até que virasse a esquina.

Ainda em silêncio, Hugo soltou as mãos de Estella e se acomodou no assento, respirando fundo.

— Eu achei que valia a pena tentar. 

— Hugo, por favor, para de falar. — ela pedia, sabendo que ele, impulsivo e incontrolável, estragaria tudo outra vez. Ela o perderia de novo, só o veria seis meses depois e, sem nem perceber, estariam tão distantes que mal podiam se ouvir. 

— Estella, eu... Olha só pra nós. Tentando conversar, e nem isso a gente consegue. Eu pensei que as coisas iriam continuar bem, mas parece que tá tudo diferente.

— Você ficou fora por sete meses. Sete meses, Hugo. Você quer o que? Que eu me jogue em você como se tivesse te visto ontem?

O silêncio perdurou por alguns minutos, e o mundo girava mais rápido que o necessário na cabeça de Estella.

Hugo foi fazer faculdade na capital, onde a mãe morava, e Estella aceitou o namoro à distância, embora fosse arriscado, já que o relacionamento só tinha três meses, e nenhum dos dois parecia ter amadurecido desde então. No dia em que Hugo partiu, estavam dispostos a lutar contra o que fosse para manter o amor vivo, e até disseram o primeiro "eu te amo". Mas, naquele momento, Hugo não sentia a vivacidade de antes e sua cabeça estava prestes a explodir.

— A gente concordou com isso, Estella.

— Eu sei. 

— Então por que é tão difícil? A gente conseguia passar horas conversando coisa sem sentido antes. Eu tô aqui há vinte minutos e você já tá assim.

— Eu tô cansada, Hugo. Não por sua causa, eu... Eu só tô cansada. — ela disse e repetiu, cruzando os braços na tentiva vã de se esquentar. Hugo tirou o próprio casaco e entregou para ela.

— Eu gosto muito de você, Tel. E eu sei que vale a pena tentar. Mas eu preciso do seu esforço, sabe? Do seu apoio, pra continuar. 

— Eu sei, Hugo, eu também gosto muito de você. Só não é um bom dia. 

Ele concordou, batucando os dedos na mesa, naquele misto de tristeza e ansiedade, e Estella sentou-se ao lado dele. Ele a acolheu e a puxou para perto, inalando o cheiro tão bom do cabelo dela, e parte do vazio se preencheu.

— Vamos pra casa. Eu durmo e amanhã a gente conversa o dia inteiro, tá bom? Prometo.

— Tá bom.

Estella fechou os olhos e sentiu a bolha se formar ali, guardando os dois como um talismã. Ela sorriu ao sentir o perfume dele, aquele cheiro que era a cara do Hugo, e ela nunca conseguiu explicar por quê. Ele suspirou, aliviado por tê-la nos braços, e deixou a preocupação boba para mais tarde.

— Tella.

— Hm.

— Eu te amo.

— Eu também te amo, Hugo. E a gente vai passar por tudo isso junto, tá?

Hugo não precisou responder. Acabava tudo bem. Um dia ele iria olhar para trás, e iria ver os dois, ali naquela lanchonete pacata, num momento tão único, e saberia que, sim, com toda certeza, valeu a pena. E Estella ainda estaria ao seu lado.

• • •

acordei com a chuva que ressucitou minha paixão por reencontros e amores incertos. Estella e Hugo são complicados e a beleza deles está na realidade. gosto muito de escrever assim, porque deixar as coisas em aberto é libertador e reconfortante. amei o texto e espero que gostem tbm ^^ 

xoxo, elle.



eu te escreveria mil livros.Where stories live. Discover now