Capítulo 12: Funeral

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 -Dona Ana! -Chamava Raneco, subindo a escadaria. -Dona Ana, olha o bagaço achei. É um... -Parou logo na entrada ao ver a dona de casa estática no chão do quarto com as costas apoiadas no guarda-roupas.

-Tá tudo bem?

Ela entregou, calada, ambas as fotos nas mãos do jardineiro.

-Que que tem, dona?

-Que tem? Pensa um pouco... ou será que tu é tão tanso assim? Essa guriazinha pequena da foto é a Ulda. Não sabe, não? A Ulda e o Fermiano abraçados com essa jararaca. E mais: eu não sabia que o Fermiano era tão aqui com o Padre Joaquim.

-Não deve ter tanta importância.

-Ah, não deve? Olha, Raneco, eu sempre confiei na Ulda. Na Madalena, nunca vou conseguir. Agora, no Fermiano, não sei se dá pra confiar mais, não.

Erguendo-se, passou pela porta antes de apoiar ambos o braços nas estruturas de madeira que serviam como proteção.

-Mas me diz. Que que tu ia me falar.

-Dá uma olhada nesse documento. -Disse ele se aproximando de Ana Maria, lhe entregando  o fragmento. -É um alvará de um hospital lá de São José do Oeste. Olha, aqui diz que o tal hospital tá no nome de Fermiano Pérez Gonçalves e de Madalena Alves dos Santos. 

-Misericórdia. Tu tá querendo me fazer na esparrela? Só tô falando.

-Já disse que não, dona. Olha, se eu fosse tu, ia a pé se precisasse, mas ia nesse tal hospital. Se o Fermiano tá te passando a perna, ele deve tá lá naquele fim de mundo fazendo sei lá o quê.

-Não consigo. Tenho coragem de ir muito longe da Vila, não. Nunca sai daqui.

-A dona que sabe. Vai pra casa e pensa um pouco. Amanhã me dá a resposta. Pra ser sincero, tu devia ir atrás do homem. Mas é da tua conta, dona. -Finalizou descendo as escadas, enquanto ela fixava um ponto fixo no chão do primeiro andar.

***

Amanheceu. O crepúsculo nascente secava aos poucos o orvalho abundante nos campos da Vila ao mesmo tempo em que batia ardente nas paredes amadeiradas da casa de Ana Maria, que dormia um sono profundo. Sono este interrompido pela chamada do telefone fixo na sala. Ela ergueu-se bruscamente, calçou as pantufas, desceu as escadas, se dirigindo até o telefone fixo, que se encontrava em uma pequena mesa de vidro arredondada no meio da sala. Recostou-se tomando  o aparelho em mãos.

-Pronto? Sou eu mesmo. Pois não?

A mulher dilatou as pupilas, enquanto transpirava abundantemente. Lágrimas corriam de seus olhos até a boca. Largou imediatamente o telefone, saindo atordoada pelo quintal de casa. Encostou-se na parede exterior da casa fixando um olhar úmido ao redor. Encostando-se na parede exterior da casa, foi escorregando, escorregando, até cair sentada no chão.

-Dona?! -Aproximava-se Raneco. -Dona Ana!
Ela pranteou balançando pesarosamente a cabeça.
-O Fermiano... Ele morreu... -Revelou levando ambas as mãos ao rosto.
-Morreu?! Morreu como, dona?
-Acharam ele em um terreno aqui perto com... com um golpe na... na cabeça.

O jardineiro se ajoelhou na grama, abraçando a viúva molhada entre prantos.

***

Ela caminhou entre a multidão no cemitério, aproximando-se do cadáver pálido cercado de uma flora diversa e coberto por uma rede de linho na altura da cabeça. Passeou a mão direita pelo seu rosto antes de pausar em seus lábios, tão pálidos quanto o cal das paredes que revestiam os casebres funerários em sua maioria.

-Sabe, Ana Maria. -Começou a voz soluçante de Dona Anita atrás da nora. -Uma pessoa pode ter a melhor das intenções. Pode parecer inocente, mas mesmo assim ter sangue nas mãos.

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