Capítulo 7- Ana

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Sinto-me um pouco estranha aqui, mas não posso negar que esta casa tem uma familiaridade que não consigo explicar. Há algo neste bairro que me faz bem; mesmo com tudo que estou passando, aqui eu me sinto um pouco mais feliz.

Ainda estou deitada, com preguiça de levantar, já que minhas aulas só começam amanhã. Hoje é o dia do jantar, e Isabelle fez questão de me fazer confirmar a presença na frente de todos, como se não houvesse escape.

Decido então tomar um banho e me vestir. Escolho um vestido preto soltinho que a tia Cátia me deu, calço uma rasteirinha e desço para a cozinha.

— Sabe, nossa relação ainda está um pouco difícil... — Isabelle fala ao telefone, com um tom que revela a sua fragilidade. — Eu só queria que pudéssemos nos dar bem novamente. Eu nem... nem sei quando foi a última vez que ela me chamou de mãe. — Ela começa a chorar.

Sinto um nó na garganta e, sem saber como lidar com o momento, saio da cozinha e atravesso a sala, decidida a ir até a loja do Seu Juca. No caminho, me lembro que Davi pode estar por lá e pego o celular para me certificar de que estou apresentável, não que isso importe tanto.

Quando descobri ontem que ele pertencia a este bairro, fiquei com uma mistura de felicidade e confusão. Feliz porque ele é uma boa pessoa, mas confusa porque ele também frequenta a igreja. É quase como se todas as pessoas ao meu redor fossem obrigadas a me lembrar da igreja e do que ela representa para mim.

Afasto esses pensamentos enquanto me aproximo da loja.

— Pequena Ana! — exclamou Seu Juca ao me ver, fazendo com que Davi, que estava atrás do balcão, me encarasse com curiosidade.

— Que saudade de vir aqui e jogar conversa fora com o senhor! — digo, dando-lhe um abraço afetuoso.

— Tem certeza de que a visita é para mim hoje? Ou seria para o meu funcionário? — Seu Juca provoca, e eu me sinto corar, mas decido entrar na brincadeira.

— Davi, não leve para o lado pessoal, mas esse senhorzinho aqui já é dono do meu coração.

— Já estou acostumado com ele recebendo toda a atenção — Davi diz, aproximando-se e sentando-se com a gente.

Seu Juca ri, e então olha para meu braço.

— E essa rosa no seu braço? Não vai dizer que...

— É falsa. Mais uma tentativa de fazer a Isabelle surtar — dou de ombros, e Davi me observa com uma expressão intrigada.

— Menina, menina, você ainda vai deixar sua mãe de cabelos brancos antes do tempo — diz Seu Juca, rindo.

— Essa é a intenção.

— E como vocês estão? Pelo menos você está mais alegre.

— Digamos que estou me acostumando, mas minha situação com Isabelle continua a mesma. Não sei se algum dia isso vai mudar — confesso, a incerteza estampada no meu rosto.

— Ela é uma boa pessoa... — Seu Juca começa, mas percebe meu desconforto. — Mas vamos falar do que interessa. O que você acha que vai ter no jantar de hoje?

Eu e Davi começamos a rir, e a conversa sobre o jantar segue de maneira descontraída. Seu Juca me fez prometer que faria um bolo de chocolate que ele adora.

Vejo que já passa das 10h e decido ir para casa almoçar.

— Oi, filha! O almoço está quase pronto!

— Ok — respondo, jogando-me no sofá.

— Então... — Isabelle hesita antes de continuar. — Eu vou começar a trabalhar em uma creche a partir de amanhã, é aqui perto, no período da manhã, e continuarei trabalhando em casa no período da tarde.

— Foi por isso que nos mudamos? Pelo seu emprego? — pergunto, e vejo que ela se assusta com a pergunta. — Não tem problema se for. Eu não me importo.

— Eu recebi essa proposta há um mês e recusei. Achei que se ficássemos mais tempo juntas e sozinhas, nos daríamos bem novamente, mas percebi que você estava infeliz. E você não é obrigada a conviver somente com quem você odeia...

— Eu não odeio você, Isabelle — digo, meio sem pensar. — Eu não consigo te perdoar ainda, nem temos a mesma relação de antes, mas eu não odeio você.

Ela se aproxima e me abraça. Não retribuo, mas também não me afasto. No meu ouvido, ela murmura:

— Vou consertar tudo. Confie em mim. Vamos almoçar.

A tarde passa normalmente. Isabelle decide fazer lasanha para o jantar, e eu digo a ela que farei a sobremesa. Enquanto decoro o bolo de chocolate com frutas vermelhas, ela entra na cozinha e para ao olhar para o bolo.

— Filha, já é 18h... — Isabelle diz, admirando o bolo. — Uau, que bolo lindo. Está querendo impressionar um certo rapaz que vem para o jantar?

— Claro que não. Seu Juca insistiu para que eu fizesse — reviro os olhos, minhas bochechas corando involuntariamente.

— Ah, Seu Juca, tenho um grande afeto por ele. Me viu crescer. Fico muito feliz que vocês se deem bem — ela diz, e eu assinto enquanto coloco o bolo na geladeira. — E te garanto que, mesmo sem intenção, um certo rapaz ficará impressionado, sim. — Ela pisca para mim e sai da cozinha.

Como se eu quisesse isso. E mesmo que quisesse, quem conquista alguém pelo estômago hoje em dia? Ou será que conquista?

Não tenho muita experiência com garotos ou com sentimentos relacionados a eles. Depois que meu pai se foi e Isabelle viajou, acabei conhecendo vários garotos, beijei alguns deles, mas nunca me apeguei a nenhum. A única regra era: não pertencer à Igreja. E se essa regra ainda está valendo, Davi não é alguém a quem devo impressionar.

Subo para tomar um banho, e o fato de o banheiro não estar no meu quarto começa a me incomodar. Ao lavar meu cabelo, percebo que está na hora de cortá-lo. Saio do banho, penteio o cabelo e coloco uma jardineira estilo saia vermelho-bordô, uma camiseta branca por baixo, meus all-stars cano baixo azul-bebê e, por fim, me perfumei.

Já pronta, desço as escadas e ouço vozes familiares.

— Tios! — exclamo, indo ao encontro deles para abraçá-los.

— Você não cresceu nada — Tio Joaquim brinca. — E nunca mais veio nos ver. Achei que Judas fosse falso, mas você...

O interrompo com um soco no braço, e ele finge que doeu. Tio Joaquim é muito brincalhão, enquanto Tia Cátia é um pouco mais madura, mas ainda assim muito divertida.

— Se vocês dois não se comportarem, coloco os dois de castigo! — Tia Cátia diz, fingindo estar brava.

— Ele que começou!

— Ela que começou!

Dizemos ao mesmo tempo, e Tia Cátia e Isabelle sorriem. Isabelle está com um vestido verde e o cabelo preso em um coque elegante, enquanto Tia Cátia usa um vestido branco soltinho e o cabelo solto. Ela parece estar um pouco maior, mas talvez seja o efeito da cor do vestido. Tio Joaquim está com uma das suas típicas camisas polo e calça preta.

Converso um pouco com eles, quando a campainha toca e vou atender.

— Que saudades que eu estava de você! — Malu grita e pula em cima de mim.

— Deixa um pouco dela para mim! — JP praticamente me pega no colo e me abraça. Ele foi quem mais me ajudou enquanto estive aqui, quase como um irmão mais velho. Eu o abraço forte e só o solto quando percebo um par de olhos verdes me encarando.

— Olá, Davi.

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