O que se faz num momento desses? Eu precisava conversar com Felipe, esclarecer tudo, mas ele está a quilômetros de distância. Precisava conversar com ele, pedir desculpas. Precisava falar com a Virgínia também. Eu tinha pisado feio na bola com as pessoas que mais gostavam de mim. Isso era tão injusto!
É! Tive um ideia: eu iria até o Rio e só sairia de lá com o perdão de Felipe. Nem que eu tivesse que implorar. E com ele também, é claro. Mas antes eu precisava resolver todo esse problema da Marcele.Ontem à noite, eu não comentei nada com a minha mãe. Nem liguei para o Felipe, embora eu tivesse que fazer uma força tremenda. Não dormi a noite toda só pensando no que eu ia fazer no dia seguinte. Isso mesmo! Não pensando no que fazer, e sim no que já tinha decidido fazer.
Eu tinha ido dormir bem mais cedo do que o costume. Lembrei de Felipe ao fazer isso. Era muito bom poder relembrar os momentos lindos sem culpa de atrapalhar a vida de um bebê pequeno. Mas o objetivo principal era acordar cedo, fazer tudo cedo, para enfim eu ir até a casa de Virgínia e pedir desculpas e no mais cedo possível ir até o Rio.
Minha mãe arregalou os olhos quando me viu arrumada e já de pé na cozinha às oito.
— A casa está pegando fogo? – brinca, segurando Laulipe no colo.
— Antes fosse isso. Uma bomba caiu em cima do meu colo e eu tenho que resolver. – Conto toda a história para minha mãe. Do envolvimento do Hanks na história até a história das fotos.
— Que história mais maluca, filha! Me desculpa, mas eu tenho que dizer: eu avisei. Você foi burra de não perceber antes…
— Calma aí, mãe. Eu estava tonta, atordoada. Não sabia nem direito o que pensar…
— Calma aí nada! Você precisa ouvir umas verdades. Tem que dar graças a Deus que eu não vou esfregar na sua cara tudo o que eu penso. E peraí, é por causa dessas fotos que você está saindo agora? – pergunta apontando para o envelope em cima da mesa enquanto tomo café.
— Sim. Vou desarmar essa bomba relógio e depois vou na Virgínia. Acho que no início da tarde eu já estou por aqui.Bem, a história não seguiu tão bem planejada. Dona Janaína me alertou sobre os riscos do Hanks descobrir para onde na verdade eu estava levando as tais fotos. E a casa do meu pai era distante da minha, então minha mãe me levou de carro até lá.
— Se cuida. – disse minha mãe. Sorri para ela. – Ah, e estou muito orgulhosa da sua atitude.
Minha mãe dá partida no carro e vai embora. Toco a campainha e não demora muito para Letícia atender a porta. Ela dá um sorriso surpreso na minha direção.
— Laura. Você aqui tão cedo? Entre, por favor. Estamos tomando café.
Entro na cozinha e vejo meu pai sentado a mesa comendo pão de queijo.
— Isso não é ruim para sua saúde, é? – brinco com ele e dou um beijo em sua bochecha e passo o dedo para limpar o gloss do seu rosto.
— Tudo bem? Veio tomar café comigo?
— Eu já tomei café em casa, obrigada. Eu tô tentando acordar mais cedo, caminhar um pouco, sabe como é. – dou uma risadinha. – E aí, eu pensei: "Puxa! A Letícia me falou sobre umas revistas tão maneiras... por que não pegar lá na casa dela?" E aí eu vim pegar a tal revista, Letícia. – lancei um olhar para Letícia e ela demorou a pegar a deixa.
Eu não era uma menina mentirosa, mas foi a partir dos 13 anos que eu aprendi a contar algumas mentirinhas, e meu pai não me conhecia o suficiente para saber quando esses momentos chegavam, o que me facilitou dessa vez.
— Que legal vocês estarem tão mais próximas. Isso me deixa feliz. – meu pai se alegra na mesa. – E esse envelope que você está segurando aí é o quê?
— Minhas revistas. Eu também trouxe algumas.
— Ah, claro! Vamos lá no meu quarto. – Letícia me direciona.
Letícia parece bem diferente agora depois de todos os acontecimentos. Parecia que perigos iminentes eram capazes de transformar as pessoas ou sei lá.
Entramos num corredor perto da cozinha e viramos a esquerda para subir alguns degraus. Escada no meio de um corredor? Não pareceu fazer nenhum sentido para mim.
O quarto do meu pai e Letícia tem traços totalmente neutros, o que de certa forma me surpreende. Os tons de cinza e branco são combinados entre o tapete, os lençóis e as cortinas.
— Acho que não tem nenhum assunto sobre revistas rolando aqui, não é?
— Não. A Marcele está acordada?
Como quem não vai morrer nunca, Marcele abre a porta do quarto e bate nas minhas costas me machucando de leve.
— Ai. – reclamo, acariciando meu ombro.
— O que você está fazendo aqui?!!!
Eu riria da cara de Marcele se minha vontade não fosse estapear a cara dela. Meu ódio subiu pela garganta.
— Eu descobri tudo. – falo e ela sorri.
— É mesmo?
— O que você aprontou? – pergunta Letícia, cruzando os braços.
— Mãe, não foi nada demais. – diz Marcele fazendo pouco caso.
— Foi sim, sua desgraçada! – aponto o dedo na cara dela. – Você vai ter que me explicar tudo.
— Eu não vou explicar nada pra você! Não te devo satisfação!
— Você foi na minha casa e fez eu acreditar num monte de mentiras… Você articulou uma história, sua megera.
— Não foi algo tão difícil assim… – ela balança a mão na frente do meu rosto. – Eu disse a você que eu não ia deixar aquela história da bebida sair barata. Eu disse a você!
— Qual é a sua satisfação em me ver sozinha e infeliz? Alguma vez eu fiz mal a você?! Hein?! Me diz!
— Você me incomoda, Laura. Não percebe isso? Por que você se faz tanto? Não te cansa esse papel de menina santa e boazinha? – ela coloca a mão na cintura. – Eu sei que a bebida que você derramou em mim foi proposital!
— Não foi. Você ia me jogar aquela bebida na cara por sei lá qual motivo… Você tem prazer em ser maldosa. Como pode?
— Você faz eu parecer a bruxa má, mas eu não tenho nada a ver com o pingo de confiança que você teve no seu namoradinho.
Dessa vez não vou ter como retrucar. Fazer o quê? Ela está certa. Optei, equivocadamente, em confiar nela ou na falsa Carol do que no Felipe.
Respirei fundo.
— Eu não vim até aqui só pra te ouvir gritar tão cedo pela manhã.
Me virei na direção de Letícia e expliquei toda a situação para ela; das fotos que Marcele enviou para o Hanks até quando ele foi na minha em busca da minha cumplicidade.
— Ele te contou tudo isso? – Marcele diz horrorizada. – E você está aqui?
— Óbvio. Onde mais eu estaria? Eu andei pesquisando e nós podemos ir até a delegacia agora abrir um arquivo ou coisa parecida.
— O que você decide, filha? – pergunta Letícia ainda sem entender quase nada. Estava lívida enquanto eu contava a história.
— Eu gostaria que o papai nem ficasse sabendo. – digo e Letícia concorda.
— Bem, eu não sei. – começa Marcele, se sentando numa cadeira perto da porta. – Ir até a delegacia? Então, o Hanks vai ser preso e daí o Matheus vai ficar sabendo…
— Filha, o Túlio precisa ser punido e, de qualquer maneira, o Matheus vai ficar sabendo… – lamenta Letícia.
E só agora eu percebo que provavelmente, com chances muito altas, Matheus não vai perdoá-la. Hanks é o melhor amigo dele. O namoro dela ia terminar porque ela tentou acabar com o meu. Realmente, aqueles textos sobre carma que a Virgínia lia para mim eram mesmo verdade.
Marcele concorda em irmos a delegacia e as duas começam a se arrumar. Marcele vai para o quarto dela e eu desço para a sala.
Letícia desce primeiro e me explica que provavelmente eu não poderei depor sozinha, mas que meu pai deixava várias procurações assinadas e que ela só precisava preencher com alguns dados e que isso levaria apenas alguns segundos. Marcele desce poucos minutos depois e parece realmente abalada. Não vou negar, sou humana e, pela primeira vez, se ela está sofrendo, eu estou feliz.Saímos da delegacia ao meio dia, o sol nos castigando no caminho até o carro.
Tudo em si foi rápido, mas bem cansativo. Entreguei as fotos, falei sobre Hanks e como ele queria que eu fosse sua cúmplice. Marcele encurtou bem a história, mas pelo que eu consegui entender, ela conheceu a Carol Menezes no ano passado e elas eram um pouco próximas; sabia quem era o namorado dela na época, o Felipe, só por fotos. Então foi dali que ela reconheceu o Felipe: das fotos da colega. Mas o resto ela pulou e, cada vez mais que a história ficava picada, mais revoltada eu ficava.
Segundo o delegado, eu até poderia abrir um processo contra falsidade ideológica. Pensaria na hipótese assim que eu voltasse.
Bom, a queixa contra o Hanks tinha sido feita e um processo seria aberto: danos morais, assédio e crimes de internet. Aquele caso não era mais meu.
Chegamos no estacionamento e paramos perto do carro de Letícia.
— Eu vou ir andando – falo.
— Tem certeza que não quer uma carona? Eu te levo até em casa. – oferece Letícia.
— Não precisa, obrigada. A casa da minha amiga é por essas bandas daqui. Tchau.
— Laura. Muito obrigada pelo que você fez. Foi uma atitude admirável. – agradece Letícia, dando um sorriso.
— De nada. – digo e me viro para ir embora.
— Laura. – Marcele me chama. Eu me viro na direção dela e ela vem até mim. – Você me fez um favor. Vou tentar te retribuir.
— Não fiz esperando algo em troca. Não espero nada de bom de você. Nunca.
Marcele torce a boca e diz:
— O que eu fiz não foi nada muito grandioso: eu conversei com a Carol, quero dizer, com a verdadeira, e ela me disse que o Felipe contou a ela que você nem sabia que ela existia. Então eu sabia que você nunca tinha visto a Carol. Liguei para uma amiga minha que faz teatro, com as características físicas da Carol e como ela está grávida, não é muito chamada e acabaria aceitando qualquer papel. Eu pedi para o Túlio fazer a montagem porque geralmente é ele quem editava as fotos para os torneios de futebol e sempre deu em cima de mim.
Não posso dizer que a culpa é dela. Quem acreditou fui eu.
— Terminou? – perguntei com pressa.
Ela assentiu e eu fui embora, pronta para pedir desculpas às pessoas que eu amava.
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Charmless Prince - Fascinada
Teen FictionLaura é uma menina de 17 anos que está com os pés no terceiro ano; e nada poderia ser melhor que suas férias no Rio de Janeiro. Mas as coisas começam a dar errado quando seu namorado, Matheus, termina com ela pelo telefone, para ficar com sua r...