Lágrimas de sangue

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No dia seguinte, após a visita da morte na casa de Sarah, me preparei para procurar o endereço que o John me deu. Me levantei da cama com os cabelos bagunçados me apoiando nas paredes até a porta e me deparei com Sarah com um copo de café e ovos com baicon.

— Imaginei que quisesse tomar um café antes de sair. Você me parece um pouco debilitado. — afirmou ela.

— Só estou cansado. Ainda tenho que resolver algumas coisas em casa, mas aceito o café.

— Fico feliz por isso. Vou deixar na mesa até acabar de se arrumar. — Disse ela com um sorriso no rosto.

Eu não estava com fome. Aliás...eu não comia direito desde a morte dos meus pais. É como se aquele desgraçado do meu pai tivesse jogado uma maldição em mim antes de morrer. A paz que eu imaginei ter depois do ocorrido nunca existiu. Entretanto, não me arrependo do que fiz. De alguma maneira, mesmo com a polícia na minha cola e com esses assassinatos que cometi, sinto prazer nesse tipo de adrenalina. O que a Morte disse para mim na sua primeira aparição começou a fazer sentido.

Após o banho, fui até a cozinha e Sarah já estava no final do café. O café e os ovos com baicon que estavam quentes...agora estão frios. Estragar aquilo seria um derrespeito na casa dos outros.

— Se você fosse mais rápido, não estariam desse jeito. — Afirmou ela.

— Tenho certeza que ainda continuam gostosos. — Respondi.

— Se quiser eu posso leva-lo até a sua casa.

— Não precisa. Eu pego carona.

— Eu insisto.

— JÁ DISSE QUE NÃO! — gritei com soco na mesa — Me desculpe. Eu preciso sair.

Me levantei da mesa sem olhar para trás e fui até a porta de saída. A voz dela naquele momento irritava com vários ecos que vibravam constantemente os meus tímpanos. Foi a melhor coisa a see feito, apesar de ser frio.

A estrada estava clara com alguns carros que passavam em um intervalo de 15 minutos. Até lá, andei pelo acostamento até aparecer o próximo para a carona.

Depois de um tempo, cheguei no endereço escrito no papel. Era uma casa branca de madeira separada das outras em um espaço grande de estrada. Ficava do outro lado da minha cidade onde haviam menos pessoas.

Me aproximei com alguns passos em uma pequena escada na varanda e bati na porta umas 4 vezes. Ela abriu e apareceu um homem de bigode um pouco gordinho com roupa social e uma calça com botas de trabalho.

— Posso ajudar? — Perguntou ele.

— Sou Maykon, filho de Maria Beatriz e George Asford.

— Meu Deus. Eu ví o que aconteceu com eles no jornal.

— Sim é uma pena. Gostaria de saber algumas coisas. Você os conhecia né? —  Perguntei.

— Éramos amigos de infância. Pode entrar. Fique à vontade. — Disse ele abrindo espaço para eu passar.

Sentamos em umas cadeiras na sala da casa e ele começou a falar sobre a minha mãe.

— Maria foi uma ótima pessoa. Conheci ela com 15 anos e até estudavamos juntos. Era brincalhona, carinhosa e não guardava mágoa de ninguém. Infelizmente nós deixamos de nos ver no dia em que meus pais resolveram se mudar para outro estado. — Disse o homem.

— É bom saber disso. Infelizmente a minha vida com eles não foi a melhor coisa. Devido alguns conflitos, nunca soube direito da vida deles no passado. Talvez...você pudesse me falar sobre isso. — Afirmei bebendo um copo de água em uma mesinha à frente.

— É esse o problema. Depois de 3 anos...retornei para a casa em que eu morava e percebi uma grande mudança na personalidade dela. Ela já tinha 18 anos e não fazia nada além de ir em festas. Tentei falar com ela novamente e não era a mesma coisa de antes.

— E o meu pai? Como ela conheceu ele?

— Bom...vou falar uma coisa para você. Eu imagino que eles não te contaram sobre isso. Mas como faleceram, não vejo problema agora.

Nesse momento, meu corpo ficou frio e imóvel. Tinha medo de ser algo sobre as minhas alucinações e aparições até agora.

— A sua mãe era uma mulher que gostava de sair com muitos homens. Eu cheguei a me apaixonar por ela até descobrir esse lado dela.

— Meu nascimento não foi planejado. Eu já sabia disso. — Afirmei.

— Sim. Mesmo estando relacionada com o seu pai, não havia perdido o costume de infidelidade.  Anos se passaram e ela abortava os fetos dos amantes que tinha. Até que um dia não deu certo.

— Significa que...

— Sim. — ele me interrompeu — George Asford não é o seu pai biológico.

Eu suei frio e não consegui dar uma palavra a não ser ficar fixo nos olhos daquele homem. O tempo havia parado e um filme começou a passar pela minha cabeça. Tudo que havia vivído e tentado ver pelo menos um lado positivo da minha família havia sido jogado fora. Era assustador.

— Seu verdadeiro pai se chama Kalvin Alfred Erick. — continuou o homem — Ele se suicidou logo após saber que sua mãe estava grávida de outro rapaz. Só deu para ouvir o barulho de sua morte pelo lado de fora. Deu um tiro na cabeça com a espingarda que usava para caçar.

Com as lágrimas escorrendo sobre o rosto, tentei fazer a minha última pergunta.

— Então quem é esse George? Esse desgraçado espancava a minha mãe.

— Ele era meu amigo. Ví que a sua mãe estava depressiva naquela época e apresentei ele para que a confortasse. Infelizmente, a sua personalidade gentil não passava de capa para impressionar as garotas. Ele revelou seu lado perverso logo após casar-se com ela.

— Você aprensentou ele para ela? Quando anoitecia, chegava drogado em casa e me espancava até não poder mais. — Expliquei olhando para o chão, totalmente traumatizado.

Foi a partir dessa revelação que comecei a entender aqueles fetos que haviam aparecido no banheiro daquele motel. Os abortos que ela fazia era das noites em que se prostituía. Minha mãe tinha fetiche em ser torturada pelo meu "pai" e por isso não falava nada quando ele a estuprava. Realmente, a Morte tinha razão do que havia dito.

— Sinto muito pelo que aconteceu com eles. Meus pêsames. Não sei o que faria se eu estivesse no seu lugar. — Disse o homem.

Me levantei calmamente ainda olhando  para o chão de falei que iría para casa. Ele abriu a porta me observou até eu sumir da sua vista. Eu me arrependi de algumas coisas que disse para ele, pois poderia ser suspeito e mostrar alguma coisa sobre o que eu fiz com meus pais.

Eu tinha mais um serviço a fazer ao anoitecer. John precisava estar comigo para ajudar.

Dominado Pelo ÓdioOnde histórias criam vida. Descubra agora