Por três anos seguiu em uma consequente eutanásia emocional. Vivendo em um fluxo de desafeto, somente esperando seu ponto final também chegar. Mesmo em poucos momentos de sorriso e instantes de riso, era sempre recobrado a dor da sua morte fantasma. Durante seu sumiço do mundo, perdeu peso e ganhou olheiras por dias sem fome e noites sem sono. Após seu período de auto flagelo, voltou o mais frio dos homens da gangue, e o que mais trabalhava. Pouco gostava de parar em casa. Passava agora a maior parte das suas noites em eventos e festas, regadas a álcool e outras drogas. E eu entendia o porquê. Aquela rua, sua casa, o rosto dos que conhecia lembrava do que ele tinha feito. Nos dias que estava por lá, pouco falava, seguia o velho ritual da escada, mas sem olhar o horizonte. Aquilo faria ele ter um vislumbre de quando via seu velho amigo subir a rua em direção ao futuro que lhe foi arrancado.
Ter que guardar algo tão grande e doloroso dentro da sua alma semimorta e pedir que nenhum pedaço ficasse no caminho era exigir demais de um ser humano.
Mas os pedaços que ficavam não poderiam ser entendidos por todos. Então ele seguia no seu martírio. Sem reclamar. Ele procurou aquilo.
Só pedia, que algo ou alguém por misericórdia, lhe trouxesse o seu fim. Procurava os mais difíceis assaltos, e seguia aos mais sangrentos combates com outras gangues. Não tiraria a própria vida, isso doeria mais em sua mãe e sua irmã que em si mesmo.
Então seguia.
Até que um dia encontrasse.
Encontrasse a mim._______________________
1977.
— Então é isso que a gente ganha? — diz Break olhando o caixão do Julian sendo coberto de terra.
— Oi? Ah... É, pelo visto sim — diz Martinez meio perdido no tempo.
— Todo enterro tem sido meio assim pra você. Na verdade, desde aquele dia... — sentiu que não deveria falar e parou.
Mortes ainda eram um fraco nele. E o Julian tinha se tornado um amigo. Enterrando mais amigos, ele pensava. E nunca a si mesmo.
Findando o momento de silêncio, aquele fim de tarde de 18 de Março o fez lembrar das tardes no St. Marys. Senti um leve sorriso ao que era agora uma triste lembrança feliz.
— O Julian teria feito um dos bem bolados com um fim de tarde tão bonito quanto esse lá no St. Marys.
— E falaria sobre o quanto bolar um baseado era uma arte que poucos dominavam — riram juntos.
— E também falaria sobre a Ângela. — Então seu silêncio toma conta novamente da conversa. Um meio silêncio. Ângela ainda estava lá, do outro lado da cova. Derramava lagrimas num choro baixo, mas audível. Era a mulher do Julian, tinham tido uma relação de 5 anos que agora teve um fim trágico.
Era o que mais acontecia naquela época. Finais esperados, mas igualmente trágicos.
— Estou cansado dos dias confusos, JK. Os momentos de paz já nem são mais os mesmo e, já não davam conta de tudo. Talvez um dia eu pare. As gangues estão parando por ai, as pessoas se misturam. Deveria fazer o mesmo.
— Não. Não dá.
— Sempre dá, Martinez. Lembra da família que você tem. Tua mãe que você sempre fala. Aquela garota que sempre tá na porta esperando você chegar, que deve ser tua irmã. Sempre dá.
— De onde cheguei não há mais pra onde ir. — Disse dando as costas ao Break. Mas dava as costas a mais do que ele. Dava a chance de sair. Dava ao resto de brilho que ainda tinha.Ficou no carro esperando o Break e de lá passaram no St. Marys. Fumaram em silêncio, em homenagem ao Julian. Em tristeza por eles mesmo. Voltaram pra casa e seguiram a vida. Eventualmente ainda iam os dois até lá, mas já não era a mesma coisa. Os momentos entre os dias ruins realmente já não eram os mesmo.
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22 de Maio de 1977.
— As coisas estão indo bem pra nós, mas amanhã... é complicado. Pessoal está falando muito dos tiras da 87, tão dizendo que tem um esquema deles lá. Nada confirmado, nem tem como confirmar. — Disse John pros sete com ele na sala.
Além do Break Town, Black River e o JK, outros dois membros de ataque e o Rick Orr, o que tornava tudo mais importante. Um membro do comando trazia mais responsabilidade a atividade. Estavam todos num dos quartos do "quartel" oficial deles falando sobre um furto que fariam no meio de uma entrega ao sudoeste do Bronx, perto do Yankee Stadium.
Tudo já sendo planejado a alguns dias e seria tudo muito fácil se o que diziam sobre polícias na via 87 fossem apenas boatos.
Martinez seguia no canto só escutando Rick e John passarem as muitas fichas do que pegariam, nada que todos já não soubessem, mas sempre era repetido. Eram pacotes de drogas que passariam por trás dos prédios yankees, e eles pegariam pra suas próprias vendas no centro do Bronx.
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A Morte escreve Vida
Historical FictionEnquanto vivemos, passamos despercebidos por muitas coisas. Momentos, aprendizados. Nos tornarmos ou deixarmos de nos tornar coisas em determinados momentos podem ditar toda uma vida - ou várias delas. Toda vida tem um emaranhado de detalhes. E esse...