1 | Em Função Do Coração

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Hey, Ed! Mas onde é que tu vais?

O rapaz parou de andar de repente e olhou sobre o ombro, como uma criança apanhada a fazer uma asneira. Atrás dele estavam os colegas da equipa de andebol, parados no meio do passeio e com um ar intrigado a vincar-lhes o rosto.

— Não vens ao treino? — perguntou Miguel, entre dentadas da sua sandes.

— Eu... hm ... Tenho de ir fazer um recado para a minha mãe! — mentiu Edgar, coçando a nuca.

Os rapazes ficaram desanimados, mas deixaram-no sozinho sem pedir mais nenhuma explicação. Edgar ficou a ver os amigos partir antes de chutar uma pedra com frustração e retomar o seu caminho.

Ele queria treinar. O próximo campeonato estava próximo e ele queria destacar-se como atacante, já que só os jogadores que se destacam é que são convidados a jogar nas grandes equipas nacionais. Mas a mãe dele achava que ele ainda tinha tempo para se dedicar ao desporto e que as notas escolares eram mais importantes. E por muito que o Ed lhe explicasse que a janela de oportunidade dele se estava a fechar, a mãe não arredava pé. Aquelas negativas a matemática precisavam de subir, ou ele poderia dizer adeus aos treinos.

Ainda zangado com a situação, Edgar retirou o telemóvel do bolso das calças para confirmar a morada do seu novo explicador, o melhor meio termo a que ele e a sua mãe conseguiram chegar. Com um pouco de ajuda, as notas de Edgar subiriam de certeza, e ele estaria de volta ao campo em três tempos — de preferência sem que ninguém da escola descobrisse que ele precisava de um explicador. Seria embaraçoso se o seu segredo se soubesse.

Apanhando o autocarro no fundo da rua, demorou apenas 20 minutos até chegar à paragem que pretendia. Felizmente para si, tinha saído da escola meia hora mais tarde que o habitual, o que lhe permitiu não se cruzar com ninguém naquele autocarro.

Com o Google Maps ligado, Edgar serpenteou por um bairro novinho em folha, contando ruas e portas. Quando por fim encontrou a morada que a sua mãe lhe tinha dado, viu-se em frente a uma vivenda amarela, protegida da sua visão por um portão verde gradeado e pela vegetação alta que se erguia acima do muro de pedra.

Com alguma hesitação, Edgar carregou no botão da campainha. Instantes depois, o intercomunicador ao seu lado crepitou.

Sim? — perguntou uma mulher.

O jovem, demasiado alto para os seus 15 anos, inclinou-se para ficar ao nível do microfone.

— Estou aqui para a explicação de matemática. Sou o filho da Matilde.

A reação foi imediata.

Ah, Edgar! Entra, entra!

O portão abriu e Edgar olhou em volta antes de o transpor, adentrando o jardim banal e estéril. Com relutância, ele caminhou até ao alpendre, ponderando se não seria demasiado tarde para fugir. Contudo, a porta da frente da casa foi aberta antes que o rapaz tivesse tempo de retirar, deixando-o frente a frente com uma senhora baixa e rechonchuda, mas muito morena e bem parecida.

— Bem vindo, Edgar! O meu nome é Ana. — Edgar aproximou-se da anfitriã e baixou-se para a cumprimentar. — Ai, a tua mãe tinha razão. Tu és enorme! — exclamou a senhora, soltando um risinho parvo.

O rapaz refreou a vontade de revirar os olhos e entrou naquela casa desconhecida, estudando o ambiente com um olhar atento, mas discreto.

— Entra. Fica à vontade — disse a mulher, indicando com um gesto a porta que dava para a sala. Não querendo ser rude, ele seguiu a indicação enquanto a mulher se apoiava no corrimão da escada e gritava para o andar de cima: — Hugo!

          

Sozinho na sala de estar da nova amiga de yoga da mãe, Edgar agarrou o telemóvel para se entreter enquanto esperava. Depois de ler as mensagens que tinha acumuladas, abriu o instagram de forma automática, carregando no primeiro storie que lhe apareceu. Mas ao ver na imagem os balneários do clube e as caras dos colegas da equipa, percebeu que aquilo foi uma má decisão e acabou por bloquear o aparelho, enfiando-o no bolso das calças com má vontade.

— Desculpa a demora — disse uma voz masculina atrás de si.

Edgar sobressaltou-se com a fala repentina e disparou o olhar para o recém-chegado, que o encarava com o espanto estampado no rosto. Com uma análise rápida ao mais baixo, Edgar percebeu que este era seu colega de escola e que, provavelmente, frequentavam o mesmo ano, dada a familiaridade das suas feições.

— Sou o Hugo — disse o rapaz, ao caminhar para a mesa da sala com os cadernos e o estojo apertados contra o peito. — A minha mãe disse-me que precisas de explicações.

Edgar suspirou e sentou-se na cadeira vaga ao lado do Hugo.

Yah, mas ninguém precisa de saber. Sou o Edgar — acrescentou. — És de que turma?

Os olhos avelãs de Hugo fugiram dos castanhos que o estudavam, não suportando o seu peso.

— 10º C.

— És da turma do Rafa! — exclamou Edgar. — Eu sou do 10º E.

Hugo assentiu e agarrou o manual, parando à espera de instruções. Vendo que a conversa ia morrer por ali, Edgar retirou as coisas de matemática da mochila.

— Tenho um trabalho de casa para amanhã. Podemos começar por aí?

O mais baixo concordou de novo com o moreno e abriu o livro na página indicada, dando início à primeira sessão de explicação.

O acordo que o Edgar conseguiu estabelecer com a mãe depois de muitas discussões e negociações, — e que teve de ser redigido a computador, imprimido e assinado por ambas as partes, para que nenhum dos dois pudesse voltar atrás com a sua palavra — ...

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O acordo que o Edgar conseguiu estabelecer com a mãe depois de muitas discussões e negociações, — e que teve de ser redigido a computador, imprimido e assinado por ambas as partes, para que nenhum dos dois pudesse voltar atrás com a sua palavra — estipulava que dois dos quatro treinos semanais de andebol seriam substituídos por explicações, a somar à explicação no dia de descanso. Pelo menos de início, já que o número poderia sofrer ajustes em função do desempenho escolar do Edgar.

Assim, Edgar passava as tardes de segunda, quarta e sexta feira em casa do Hugo, empenhado na missão de retomar a totalidade dos seus treinos.

De início, o atleta temia que as sessões não fossem dar grade resultado. O mais baixo era conhecido pelo seu grande intelecto e pelos conhecimentos muito avançados de matemática, e a experiência de Edgar dizia-lhe que aqueles que são dotados para os números e estão habituados à sua abstractividade têm dificuldade em fazer os leigos compreender os seus conceitos. Contudo, Hugo era um explicador hábil e bastante visual, que não tinha dificuldade alguma em simplificar e concretizar conceitos que eram bastante exotéricos para Edgar. Sessão após sessão, a matéria que antes parecia chinês transformava-se em algo compreensível, como que por magia, aumentando gradualmente resultados académicos do atleta.

Oi!
Conto magnífico! Cheio de adolescência e de amores trocados... houve ali qualquer coisa que me disse que o Hugo estava interessado no Edgar. As metáforas com a matemática foram também excelentes.
Beijo!

1y ago

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Que surpresa!

1y ago

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Bad Luck CharmOnde histórias criam vida. Descubra agora