Onde eu estava? Eu não sei.
Acabei de chegar no Rio de Janeiro e em meu primeiro dia no local, já me perdi. Sem contar com o fato de que após isso, entrei no carro de uma desconhecida e fui para sabe-se lá onde em algum fim de mundo para ir em uma grande loja de roupas variadas bem no meio do bairro Copacabana. Annete abriu a porta e me estendeu a mão. Eu desci do carro e me deparei com o mar. Ah, quão lindo!
Uma das vantagens de ser uma cigana é poder conhecer cada pequeno cantinho desse país. E para falar a verdade, os brasileiros não vêem as maravilhas escondidas que esse país tem. É tão rico e tão lindo, mas, tão maltratado e sujo por corrupções políticas... é uma pena.
– O que uma cigana veste?
– Bem... quer mesmo fazer isso?
– Se eu não quisesse teria lhe largado lá no asfalto, oras. Quero conhecer você e a sua cultura, mädchen!
– Somos um povo místico, então nem precisa se preocupar com calçados. Usamos saias longas, geralmente até os tornozelos, numa demonstração de recato e ao mesmo tempo sedução. Usamos o preto só como um "plano de fundo" e complementar.
– Certo.
Entramos na loja e ela era extremamente colorida. Via-se roupas e vestidos espalhados pelos quatro cantos da loja. Havia budistas, indianos, ciganos, índios e tudo quanto é tipo de etnias e religiões naquela loja. Havia um canto para se comprar narguilés, havia outro canto em que encontravam-se estátuas de Krishna e muitas outras coisas. Era realmente linda a loja. E parecia extremamente cara.
– Então... é tudo muito colorido, numa saia grande e rodada. Usamos uma blusa não muito decotada e, claro, o mais importante: muitas jóias. Mas no meu caso não precisa porque já estou com minhas pulseiras e colares.
– Então podemos acrescentar apenas um par de brincos para lhe dar um toque especial.
Foi então que Annete, olhando para mim deu um sorrisinho misterioso e tocou meu pescoço com as duas mãos, afastando meus cabelos negros da orelha e alisando-as. Ela me olhava num olhar diferente. Meu corpo inteiro estremeceu e eu pude me ver enrubescendo. Eu estava arrepiada.
– Certo. - Consegui dizer.
Por fim ela soltou minhas orelhas e começou a olhar roupas como se estivesse folheando livros. Eu a observei. Ela usava uma calça preta e all star comum. Com uma blusa de frio preta por cima de uma camiseta de uma banda chamada Rammstein que, inclusive, parecia bem macabra.
– Então... mal sehen... Vamos ver você experimentar esse vestido, esse, essa saia, essa, essa e essa blusa. - Ela ia retirando coisas variadas que não faziam sentido naquele momento, mas analisando bem, ficariam combinações perfeitas.
Ela me deu as roupas e fomos seguindo para o provador. Eu estava bastante receosa com o fato de que eu iria experimentar roupas que uma estranha estava comprando para mim. Mas a Annete era tão irresistível que eu nunca diria não a um pedido dela. Olhando para os fatos, nunca pude ter uma certeza de minha opção sexual. Eu tinha apenas dezessete anos e até o momento, vivia rodando de cidade em cidade (inclusive já havíamos ido para o Peru, Chile, Bolívia e Argentina nesse meio tempo e eu sempre tive alguns casinhos por aí), mas eram coisas de dias ou semanas. Nunca algo que eu pudesse ter certeza de alguma coisa. Nunca cheguei a sentir emocionalmente algo. E com a Annete, bem, havia alguma certa possibilidade de nos envolvermos, mesmo ela sendo completamente entrave. Deixava tudo mais misterioso e eu, sendo esse livro vago e aberto, não tinha nada para oferecê-la. O que eu estava pensando, oras? Sou uma mulher. Mulheres nasceram para ficar com homens e vice versa. Mesmo isso sendo apenas um preceito da biologia. Mesmo que os sentimentos não possam ser explicados. Este era o fato, o ponto final.
Annete viera comigo até o provador, cheguei e pendurei as roupas e saias rodadas e coloridas que ela havia escolhido para mim. Virei-me para fechar a cortina e ela estava encostada na parede em frente, me olhando com os braços cruzados e um olhar sedutor. Eu travei e não consegui fechar a cortina. Alguma voz, uma pequena e miúda voz estava falando no meu subconsciente algo que eu não entendia. Ou pelo menos não queria entender.
– Tudo bem, menina?
– Ahn... sim.
– Vai provar a roupa ou não?
Fiquei calada. Ela enrugou a testa, seu semblante ficara duvidoso. Ela desencostou da parede a começou a andar lentamente na minha direção. Eu tremia e tentava fechar a cortina e meu corpo simplesmente não respondia as tarefas que o cérebro mandava. Parecia que eu e ela tínhamos alguma conexão espiritual. Algo de outras vidas. Era uma química forte entre nossos corpos, mesmo estes quase nunca se encostando. Ela chegou na entrada do provador, colocou as duas mãos na coluna, um pouco antes da abertura da cortina e me olhou. Olhos nos olhos.
– Ich will dich küssen, mädchen.
Ela olhou para a minha boca...
– O que você disse?
...e me empurrou provador adentro, fechando a cortina, nos separando do resto do mundo.
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A caçadora de ilusões
RomanceEu estou feia. Estou faminta e sedenta. Já usei e me alimentei de todas as pessoas saborosas daquela faculdade. Meu repertório está fraco, escasso. Minhas pernas tremem, minha mente se agita. O que eu posso fazer? A floresta está infrutífera. Não há...