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Foi um erro!

Virmos para cá foi um tremendo erro, e só percebo isso agora. Estou cercado dessas aberrações tecnológicas e meu fim já foi decretado... Com o passar dos anos nos submetemos a cada vez mais alterações fisico-quimicas e implantes estruturais... Do meu "eu" natural só restaram cérebro e medula espinhal, que não passam de mais uma peça neste horrível invólucro cibernético que eu chamei de corpo.

Mas essa desfiguração externa não passa de um reflexo do que fizemos com nossas mentes desde que chegamos aqui. Julgamos que o racionalismo era a fonte de todo nosso progresso e desenvolvemos a máquina perfeita, que seria capaz de tomar todas as decisões de forma a sempre nos garantir satisfação individual e progresso coletivo: Zarmina. Nosso próprio "ditador" cibernético.

A cada "atualização" de nossos corpos e principalmente cérebro, não éramos capazes de perceber que cada vez mais perdíamos memórias individuais, e a consciência do que éramos antes. Durante uma dessas atualizações meus implantes foram desligados temporariamente, e como um lapso minhas lembranças retornaram, que eu era um humano, tive família, soube o que era o amor, a vida.

Abandonei a instalação de aperfeiçoamento, e meus olhos podiam ver claramente sem as interferências geradas artificialmente em nossas mentes. Aberrações metálicas se arrastando pelas superfícies das estruturas, ou flutuando enquanto ostentavam de forma bizarra algum resquício humano como uma cabeça ou órgãos aparentes. Contemplei meu próprio reflexo sob uma dessas superfícies... não restava nada... nenhum traço de pele, apenas meu cérebro envolto por material semi-transparente que emulava um crânio humano, cercado de orbitas oculares modificadas.

A sensação de enjoo latejou em minha mente, ainda mais quando percebi o vazio... que não havia mais um estômago para dar vazão àquilo. É um pesadelo! Um pesadelo!
Com parte dos implantes desativados eu não conseguia coordenar aqueles inúmeros apêndices e me livrei deles, deixando apenas algo que me parecia familiar a dois braços e pernas para a locomoção.

Um alarme soou na instalação, e pela reação daqueles seres ao meu comportamento, eu sabia que era uma questão de tempo até ser localizado. Lembrei-me de meus registros pessoais que há décadas não eram acessados, e aqui estou há várias horas,  redescobrindo quem eu era... que eu era alguém...

No caminho passei pelas câmaras gestacionais, o horror tomou conta de mim ao ver aqueles bebês. Ainda humanos em sua essência, seus pequenos braços e pernas, olhos narizes e bocas, tudo para serem simplesmente aquilo que sempre fomos. Ao avançar para um setor de maturidade superior, eles eram simplesmente dilacerados, recebendo implantes diversos antes mesmo de abrirem os olhos e respirarem o ar pela primeira vez. Nunca saberão o que seria andar com as próprias pernas, ou tocar a pele de outro humano, porque nós retiramos isso deles!

Eu não posso viver assim. Já tentei algumas vezes mas esse corpo parece incapaz de atentar contra a própria integridade. Eu gostaria de chorar, mas também não possuo mais essa capacidade. Meu único alento é observar a Terra, saber que meus descendentes ainda caminham por lá, humanos.

Devo apagar esses registros. Por mais que me doa me desprender das únicas lembranças da minha dignidade, a simples possibilidade deles transformarem a Terra no pesadelo que criamos aqui é desesperadora. Eles não podem descobrir que a humanidade sobreviveu.

PROTOCOLO: COLOMBOOnde histórias criam vida. Descubra agora