LOGAN— E aí, já soube dela?
Levanto o olhar para Charlie, sentindo vontade de apenas continuar incrustado na parede. Minha cabeça dói, meu corpo todo parece implorar por uma cama. Nem sei quanto tempo faz que estou aqui; meu celular desligou uma eternidade atrás.
E tudo que ouço são os sinais de aviso do hospital e o cheiro típico que ocupa todo o corredor. Talvez o edifício inteiro.
— Vai beber um café, cara — continua Charlie, após eu negar desanimadamente com a cabeça à sua pergunta. — Você tá acabado.
Observo ele passar a mão pelo cabelo louro, o rosto tenso e preocupado daquele jeito que fica quando estamos num velório. Ou num hospital, mesmo. Melissa está zanzando perto de nós, falando no telefone com o que eu espero ser os meus pais; pois não tive tempo de avisá-los sobre o que houve após correr com Lara para cá.
Lara... eu confesso que fiquei assustado com tudo o que houve. Nós tínhamos acabado de voltar do hospital, onde uma enfermeira avisou que a Sra.Becker receberia alta em algumas horas. Passamos pouco tempo no quarto, pois a mãe da Lara ficou o tempo todo no banheiro e mal quis nos ver.
E então, assim que estacionei em frente à casa dela, Lara desmaiou de sono no banco. Tive que guiá-la para dentro como se estivesse com uma pessoa bêbada, mas felizmente Lara adormeceu logo que encostou na cama. E eu fiquei lá, observando-a, até que caísse no sono também antes que me desse conta.
Então Lara acordou. Gritando à plenos pulmões.
Não gosto de lembrar do aperto que senti no peito ao vê-la suando e chorando, me empurrando para longe toda vez que eu tentava tocá-la. Jamais havia sentido isso na vida, pois sempre fui abençoado no sentido familiar; meus pais vivem bem e jamais perdi um conhecido próximo. Não como a Lara. Não sabia qual era a sensação de ver alguém importante pra mim sofrendo, de presenciar com meus próprios olhos os demônios internos de uma pessoa saindo para a realidade.
Meu estômago embrulhou tanto que até agora não comi nada. Não sinto sede. Meu peito parece apertado, uma agonia tomando conta de mim por completo. Sinto vontade de chorar; de gritar. Como se, de uma certa forma, meu corpo tivesse permitido que a dor de Lara fosse compartilhada comigo.
Aquela história de alma-gêmea nunca fez tanto sentido. Jamais imaginei que pudesse passar por isso com alguém. Porém, ainda assim, eu quero isso. Quero sentir a dor dela. Quero estar com ela. Quero que nossa conexão seja real; não importa se for na alegria ou na tristeza.
E eu sinto, pela primeira vez na vida, o quanto parece certo estar conectado a alguém. Não importa se doer; não importa se machucar. É assim que tem que ser. Na alegria ou na tristeza, na saúde ou na doença.
É isso. Eu estarei com ela.
LARA
Não sei o que eu sinto quando acordo.
De uma certa forma, me alivio ao fitar o quarto de hospital. Parece nítido, de um jeito real. Não sinto o corpo estranho, nem aquela sensação esquisita que me apossava quando tive o surto de realidade.
Me sinto normal. O que torna tudo ainda mais confuso.
O que foi sonho e o que não foi?
— Não se preocupe, agora você está acordada — diz uma voz madura e feminina do além.
Viro a cabeça, notando que uma mulher está sentada numa poltrona perto de mim. Ela tem as pernas cruzadas e segura um caderninho no colo. Seu cabelo louro está preso em um rabo-de-cavalo, e ela sorri gentilmente. Parece estar na faixa dos quarenta.
Ah, e também não parece ser do além.
— Quem é você? — Minha voz sai esquisita quando falo, o que me envergonha tanto que estremeço imediatamente.
O sorriso da mulher permanece tão aberto quanto antes, e ela se remexe na poltrona enquanto segura uma caneta. Parece prestes a fazer uma anotação.
— Sou a Doutora Ross. Marie Ross, se preferir. Psicóloga e psiquiatra do hospital. Como se sente?
Em vez de responder à pergunta, engulo em seco e desvio o olhar, juntando minhas mãos sobre o colo ao fitá-las. Outro alívio me inunda por eu não estar usando uma camisola de hospital. Mas...
Psicóloga. Fugi deles por anos desde que meu pai morreu. Não gostava da ideia de conversar com um profissional pago por aquilo, ainda que minha professora de teatro tenha se tornado isso quase involuntariamente; já que eu sempre desabafava com ela. Mas psicólogos.... sempre me senti desconfortável com eles. Envergonhada. Não conseguia desabafar. Não conseguia dizer o que sentia. E na única vez em que tentei, chorei tanto ao entrar no consultório que nunca mais consegui olhar na cara do profissional depois.
Mas agora, aqui está uma. Bem ao meu lado. E sinto o olhar dela em mim enquanto tento olhar para o que quer que seja e permanecer de cabeça baixa.
— Acho que gostaria de saber que tem um garoto todo preocupado com você lá fora — continua a Dra.Ross, parecendo relaxada e animada ao falar. — Tadinho... não se mexeu desde que chegou. É seu namorado?
Me baseio em apenas negar com a cabeça. Logan... sinto vontade de chorar por saber que ele é mesmo real. Por um momento, quase me deixei levar pela loucura e inconstância de meu cérebro.
Ainda nem tenho certeza se isso está mesmo acontecendo. Quem sabe eu já esteja morta e seja tudo um devaneio?
Meu Deus. Acho que estou pirando.
— Bom, de toda forma, eu soube o que a trouxe aqui, Lara. — A voz da psicóloga permanece calma e gentil quando ela continua. Ainda assim, não tenho coragem de encará-la; e me concentro só em minhas unhas que precisam urgentemente de um esmalte. — Você não é a primeira que tem um ataque de pânico durante o sono; e nem será a última. Já fez terapia alguma vez?
Nego com a cabeça. Ouço mais ruídos ao meu lado; como se ela estivesse fazendo alguma coisa. Então noto um som de papel rasgando, e poucos segundos depois uma folha de papel surge ao meu lado. Sou forçada a virar a cabeça para a Dra.Ross de novo, que está esticada o máximo que pode na poltrona pra que a folha chegue até mim.
— Pegue, por favor.
Meus movimentos são quase automáticos quando obedeço. Ela abre outro sorriso assim que toco na folha, e fico observando as linhas azuis até que ela também estique um lápis para mim.
— Se tudo bem por você, eu ficaria feliz se pudesse escrever sobre o seu sonho. Assim não precisa falar em voz alta. Apenas desabafe, coloque pra fora tudo o que causou desespero em você hoje. Depois, quando concluir, ficarei feliz em ler. Mas só se você permitir, é claro. Vou respeitar se achar muito pessoal.
Passo um tempo apenas segurando a folha. Não sei o que devo fazer... entretanto, sei exatamente como eu poderia escapar desta situação; sou ótima nisso e fiz muitas vezes após o funeral. Nem seria tão difícil assim me livrar da Dra.Ross.
Mas... será que seria a escolha certa?
Antes que eu perceba, estou encostando a cabeça no travesseiro e usando a bandeja de comida vazia que tenho perto de mim para apoiar a folha. Minha mão treme um pouco quando começo a escrever, mas logo sinto a firmeza do lápis nos dedos e as palavras saindo; como se fosse um alívio poder despejá-las para fora de mim.