Quiliom e Orfa.

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Foram três anos que por mais que o Espírito Santo me sustentasse, diversas noites eu chorei. Mas por mais que haviam dias que era como se eu carregasse um peso nas minhas costas, eu tinha aquele versículo fixado em meu coração:

Josué Cap. 24.
15 Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor.

Era uma promessa e eu não aceitava o descumprimento dela. Eu sabia da minha entrega e confiança em Deus, Ele não falharia. Nem que fosse no último minuto, Ele agiria.

Eu colocava o pé primeiro, e dois Deus colocava o chão. Era isso, confiança, fé e certeza daquilo que eu ainda não via.

Era uma sexta-feira. Por mais que Malom e Quiliom se parecessem, em muitas atitudes, os dois se diferenciavam.

Malom se jogou de cabeça no mundo de uma só vez. Sem paraquedas, sua queda era mais rápida do que ele podia esperar, mas enquanto o chão não chegasse, a morte era algo inexistente para ele.

Todos os dias, meu filho chegava bêbado em casa, e toda semana era com uma moça diferente. Jovens tão bonitas, mas que aceitavam as condições que meu filho impunhava. Garotas que desconheciam o seu valor e imploravam pela atenção de Malom. E por mais que às vezes eu tentasse intervir, meu filho não tinha compaixão, destruía os corações das pobres garotas, pois o seu sem a presença de Deus também estava destruído.

Já Quiliom era mais fechado, por mais que tenha ficado com algumas garotas no início da sua trajetória no mundo, logo ele conheceu Orfa, e os dois começaram um relacionamento.

Pelo pouco que eu sabia, Orfa foi criada apenas pelo pai até os dez anos, quando ele se envolveu com drogas e acabou sendo morto. Logo sua guarda foi transferida para os seus tios por parte de mãe, e por mais que eles fossem pessoas gentis, Orfa já estava com marcas profundas de sua infância e precisava de algo para esquecer aquilo. Sem pensar duas vezes, assim que teve a oportunidade de viajar aqui para São Paulo, a garota aceitou, para ela parecia uma nova chance de recomeçar, e logo conheceu Quiliom, e mesmo um gostando de mais do outro, o relacionamento de ambos vivia em pé de guerra.

Todos os dias, do meu quarto eu escutava Quiliom e Orfa brigando, inúmeras vezes via a garota saindo de nossa casa chorando e dizendo que não voltaria mais e no dia seguinte lá estava ela novamente. Os dois viviam em um círculo vicioso e mesmo sabendo disso, nenhum deles tinha força ou sabedoria para sair daquilo.

Mas naquele dia os gritos estavam mais altos. Eu estava em meu escritório resolvendo alguns papéis da empresa, mas não conseguia me concentrar. Me levantei e caminhei até a sala onde os dois estavam e quando cheguei vi meu filho a ponto de bater em Orfa.

-... DÁ PRA VOCÊ CALAR ESSA BOCA? EU NÃO AGUENTO MAIS ESCUTAR A SUA VOZ! -Ele gritou e a jogou contra o sofá.

-Quiliom! -Gritei exasperada, mas meu filho não pareceu nem notar que eu estava ali. Ele levantou uma das mãos pronto para transferir um tapa no rosto de Orfa, mas antes que ele pudesse fazer qualquer besteira, corri e segurei o seu braço. -QUILIOM! O QUE PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?

Meu filho se virou e me empurrou, sua mão se levantou novamente, mas dessa vez apontava para mim.

Quiliom respirava pesadamente. Seus olhos estavam escuros e uma veia saltava em seu pescoço.

Minha garganta de fechou e eu pude sentir uma gota de suor escorrer sobre minhas costas. Milhares de pensamentos vinham em minha cabeça e o medo estava ali. Mas ainda assim, mesmo em meio aquele turbilhão de emoções, respirei fundo e encarei meu filho.

Ele ainda era meu filho, e por mais que o mal tentasse, maior era Quem estava comigo.

-Anda. -Minha voz saiu como se fossem cacos de vidro rasgando a minha garganta. -Prossiga com o que você ia fazer.

-Não me desafie. -Sua voz não passava de um sussurro, mas a hesitação era nítida.

-Você iria mesmo bater na sua própria mãe? -Apenas o silêncio e alguns soluços de Orfa por presenciar aquela situação era notório naquele momento. -Tá amarrado, em nome de Jesus. -Eu falei sem emoção e sem gritar. Era eu e minha fé contra tudo aquilo que tentava destruir a minha família.

Quiliom abaixou a mão derrotado me aproximei, mas ele se afastou, pegou as chaves e começou a andar em direção a porta:

-Não venham atrás de mim, não vou hesitar duas vezes. -E bateu a porta.

Corri até Orfa e a abracei. A garota tremia em meus braços e soluçava. Ela não esperava que ele disse capaz de fazer aquilo.

-Dona Noemi... -Ela sussurrou chorando. -Ele ia bater na senhora.

Apoiei meu queixo em cima da sua cabeça e fechei os olhos. Eu precisava ser forte. Eu precisava confiar em Deus.

Meu nome é NoemiWhere stories live. Discover now