16 - Adaptação

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Minha adrenalina estava altíssima, isso tudo era uma loucura para mim. Eu não estava no controle da situação, nem sabia para onde estávamos indo e não tinha ao menos algum dinheiro para poder voltar. O mais inusitado foi que me diverti!

    — Elohim, você é muito louco de ter vindo me buscar! — disse em tom de brincadeira.

    — Louco é meu irmão que entra nas minhas viagens! Davi está sempre me salvando! — Elohim respondeu.

    — É que minha vida fica muito normal sem suas doideiras! — Davi concluiu.

    Ele falou brincando, mas ficava claro que ele tinha um cuidado quase paterno com seu irmão. 

    Davi era apenas cinco anos mais velho, tinha trinta, mas era “o responsável” da família. E ser cúmplice de Elohim não era um trabalho fácil, mas Davi preferia estar com seu irmão por perto do que vê-lo perdendo sua juventude internado.

    — Afinal para onde vamos? — perguntei

    Finalmente a vida me sorriu e fiquei num estado de deslumbramento quando ouvi Davi responder que iríamos para a casa de praia da sua família, isso era um sonho para mim!

    — Ninguém sabe que estamos usando a casa, eu é que administro os imóveis que temos na praia e como não é temporada de férias, é tranquilo. — explicou Davi.

    — Na verdade, só podemos ficar lá enquanto a temporada está baixa, quando chegar as festas de fim de ano vamos ter que nos virar, mas até lá temos alguns meses para resolver isso. — completou Elohim.

    — Mas seus pais sabem que você fugiu? — questionei.

    — Sabem, só não sabem que estou lá com Davi, não dei notícias, senão vão querer me internar de novo.

    — Quando descobrirem vão me matar, mas tudo bem! — respondeu Davi e todos rimos.

    — Vamos ter um “tempo fora do tempo”! Como se entrássemos em uma dimensão paralela, depois a gente resolve tudo, como adultos responsáveis que somos. — falou Elohim sarcasticamente.

    — Era tudo que eu precisava! Vocês estão sendo tão legais comigo!

    — Não sei se você vai continuar achando isso quando ler o manual de convivência do Elohim. — zombou Davi das obsessões de seu irmão.

    — Não esquenta, são só 196 páginas. — respondeu Elohim.

    — É, vai acostumando… número 1, manter cada coisa milimetricamente em seu lugar… número 2, nunca deixar gavetas semiabertas… número 3, em hipótese alguma deixar sapatos virados ou desalinhados… — falou Davi como se lesse um manual.

    — Quem que é assim? Eu não! — interrompeu Elohim brincando.

    Elohim parecia bem e continuava tomando os remédios que anestesiavam os surtos, mas nas pequenas ações e gestos podíamos ver as suas singularidades. Seus olhos às vezes se perdiam em pensamentos enquanto ele olhava o movimento ao redor e suas expressões também mostravam as repentinas alterações de humor ao ver algo que lhe incomodava. 

    Em meio a conversa alegre eu também tinha minhas alterações de humor, principalmente quando pensava no que eu faria quando acabasse o prazo que podíamos ficar lá. E pensava se alguém iria me procurar ou se preocupar comigo. 

    Procurei relaxar e quando chegamos na cidade fiz questão de ver o mar antes mesmo de conhecer a casa que ficaríamos. Eles aceitaram meu apelo e todos descemos do carro para caminhar na areia vendo o fim da tarde naquele “espaço fora do tempo”.

    Aquela vibração vinda do mar era tudo que eu precisava! O som das ondas, toda a natureza ao redor, tudo me fazia sentir que eu estava no caminho certo. 

    Eu esperava que o destino me desse uma boa sorte e não me fizesse voltar para minha casa, isso era a última coisa que eu queria, mas ainda  era uma probabilidade.

    Eu estava comentando com eles sobre esses meus pensamentos, quando Elohim num impulso correu em direção ao mar. Davi correu atrás dele tentando impedir que ele se molhasse, sendo que estava de roupa e tênis, mas ele não se importava com convenções, deu um mergulho e ainda puxou Davi para a água.

    Eu fiquei só olhando sentada num canteiro, e pouco depois Davi voltou resmungando contra seu irmão impulsivo que o havia feito se molhar e ainda para piorar, molhou seu celular que estava no bolso.

    — Chega, por hoje chega Elohim! Você ultrapassou os limites!

    — Limite é coisa que querem que você acredite para te dominarem mais fácil! — disse Elohim provocativo.

    Davi só balançou a cabeça, como quem diz que não está nem ouvindo.

    — Só vou levar você no carro porque também estou molhado, senão te faria ir andando!

    — Você faria isso comigo? — falou Elohim com ar de coitadinho, fazendo Davi rir e deixar para lá, como sempre fazia.

    Fomos então para a casa e logo nos primeiros dias percebi que seguir o manual de instruções de Elohim não era o mais difícil em nossa rotina, o que complicava um pouco era a preocupação constante com ele, principalmente em relação aos remédios.

    Elohim estava se controlando bem e não podia de forma alguma ficar sem a medicação, pois facilmente voltaria aos surtos psicóticos, mas enquanto estava na disciplina, ele só era instável mas inofensivo. 

    Davi podia estar sempre por perto nesta fase, pois sua esposa estava estudando no exterior, isso nos ajudou muito. E para controlar Elohim, ele sempre dizia que chamaria seus pais para levá-lo embora caso não se comportasse. Isso geralmente surtia efeito.

    E eu tive que aprender a lidar comigo cada vez mais, não era fácil. Na verdade, era um pouco complicado lidar com essas mudanças tão drásticas! 

    Estar em uma casa pequena e com os dois por perto o tempo todo me estressava um pouco, eu sentia falta da minha solitude, mas aquele era o melhor lugar que eu podia estar, sei disso! 

    Davi me salvou! E ainda comprou tudo o que eu precisava, era até constrangedor, mas ele era do tipo bom samaritano! Além disso, Davi deixou seu quarto para mim e foi dormir no outro com o irmão. 

    A casa tinha um clima rústico devido a construção ser de tijolo à vista e madeira. Tudo era bem limpo e excessivamente organizado, conforme Elohim exigia. Tinha uma sala pequena e um quintal na frente onde sentávamos para ver o anoitecer.  

    Agora o que me afligia mais era a necessidade de arrumar uma forma de ganhar dinheiro, pois eu não queria ser bancada por Davi por muito tempo. E também não queria ser obrigada a voltar para a casa na alta temporada, mas tudo foi tão de repente que eu não tinha ideia de por onde começar.

    — Ísis seus pensamentos estão ocupando muito espaço na casa, põe eles lá fora, a casa é pequena! — Elohim zombou ao me ver tão preocupada.

    — Você está certo, só existe o agora no “tempo fora do tempo”! — respondi.

ReencarnadaWhere stories live. Discover now