Capítulo 4 - "O Monstro em Nós"

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Eu adormeci, ali mesmo, no chão, ao lado dele, encostada em um de seus ombros. Não tinha o que fazer para ajudá-lo, o que eu podia fazer era ficar e fazer companhia, até que seus olhos avermelhados perdessem a cor e se fechassem para sempre. As lágrimas já tinham secado do meu rosto quando acordei, e olhei para William, imóvel e pálido. Adormeci novamente.

Quando acordei, o pior não foi lembrar dele daquela maneira. Meu coração estava apertado, sim, e senti meus olhos lacrimejarem novamente, porém, ver Francis foi a pior parte. O rosto dela se retorcia em um misto de luto, tristeza, ódio e sede por vingança.

- Meus filhos... Meus filhos... - ela olhava fixo, incrédula. - Estão todos mortos... Todos eles...

Não entendia o que ela queria dizer com aquilo! Os outros três homens apavorantes eram filhos dela também? Não parecia possível da perspectiva humana, mas, por outro lado, nada daquilo parecia...

- Ele transformou você, não foi? - ela me olhou com raiva, aproximando-se abruptamente.

- Eu... Acho que sim... - respondi, sem saber com certeza se beber o sangue de William tinha realmente funcionado. - Não me sinto diferente, não senti dor alguma, eu só...

- Adormeceu? É assim que acontece! - ela revirou os olhos. - Você deu seu último suspiro, e nem percebeu, não é? Essa é a única parte piedosa que irá receber nesta vida imortal perversa e cruel. - ela agarrou meu punho com força, fazendo-me perceber que estava acorrentada a uma mesa metálica.

- O que... Por que estou presa? Por que me prendeu? - me debatia, tentando me livrar das algemas almofadadas, sem sucesso. 

- Logo você vai sentir a vontade mais intensa que já sentiu na vida. Vontade de sangue humano, quente e delicioso, e eu não posso deixar com que mate ninguém por causa disso. A única maneira de impedir o caos da sua presença na cidade, é mantê-la aqui, e lhe dar um pouco do sangue que temos em estoque, impedindo que seu sangue coagule por muito tempo e faça você ter ainda mais vontade de sangue fresco. Já vou avisando... não será fácil, vai doer, e durará horas e horas... - ela explicou, cerrando os dentes.

- Obrigada, Francis... por me ajudar.

- Eu não estou te ajudando por que gosto de você... - ela começou a preparar as agulhas sem me olhar. - Ainda tenho Laura para me preocupar, o nosso disfarce...

- Tudo aconteceu tão rápido! Eu sinto muito... por William e pelos outros... - deu-se um longo silêncio constrangedor antes de eu pensar em algo para dizer. - Você... pode me explicar?

- Explicar o que? - ela disse grosseira.

- Tudo! - suspirei. - William me contou sobre o clã, que ele fez algo terrível no passado e obrigou você e Laura a fugirem por causa disso, mas... Não tenho ideia alguma de como funciona essa vida, do que preciso fazer, se posso viver normalmente... rever meus pais?

- Você poderá, sim, viver normalmente, rever seus pais e andar livremente por aí, como nós, desde que não descubram em que você se transformou. Com o passar dos anos, sua aparência não irá mudar, então, deverá ter um plano para que não descubram que não envelhece. E, bem... você faz parte da família agora, acho que deve saber em que se meteu...  ela disse, sem vontade.

- Obrigada... - respondi, igualmente sem vontade, e com mais pesar do que imaginei que sentiria ao aceitar tudo isso.

- William sempre foi um idiota! - ela começou, falando alto e rindo nostalgicamente. - Eu estava caçando quando o vi pela primeira vez, tentando manter a mãe viva durante a Gripe Espanhola de 1920. A pandemia mundial fez sangue humano, sem o vírus, ficar cada vez mais escasso. Estávamos quase morrendo junto deles, nossos números diminuíam a cada dia, quando finalmente senti o cheiro dele. Limpo, livre de vírus. Eu não me alimentava há meses, então, corri na direção dele para atacá-lo. A mãe acabara de morrer, e ele estava desesperado. Tudo era tão caótico, podre... miserável. Ele se sentia culpado, e tornar-se um ser imortal dava-lhe a sensação de punição, assim, todo dia poderia lembrar que não foi capaz de salvar a pessoa que mais amava.

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