Capítulo 1: Imprevisto ៚

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               Toda mudança gera um pouco de caos. Abala as estruturas físicas e emocionais, mas tudo que é diferente gera, de alguma forma, desconforto.
               E tá tudo bem.
               Agora veja, que discurso lamentável. Penso tudo isso enxugando minhas próprias lágrimas por uma mudança de casa. Eu sei que é apenas um dos meus vários sonhos se concretizando, assim como também sei que ainda virá muitas situações em que precisarei fazer escolhas para que eu possa continuar a realizá-los.
              Mesmo sendo apenas uma memória, hoje o calor percorre o meu corpo em contraste com as minhas mãos geladas. É como se o momento estivesse se repetindo. Uma memória muito forte e impactante do momento em que procurei e encontrei o meu nome entre a lista dos aprovados. Desde então, fiquei extremamente ansiosa e não vi a hora para que o grande dia chegasse. Mas hoje, quando ele chegou, senti uma enorme vontade de esconder as malas e correr para a cama novamente como um gatinho fora de série que não tem coragem para deixar o conforto do lar.
             Estou indo morar no Rio de Janeiro, penso, sozinha. Outro estado.
             E se você estiver pensando que gostaria de ter uma mãe despreocupada como a minha, você também teria que levar o seu parceiro de argumentos-desnecessários, o meu irmão. Estando em São Paulo, eles nunca dentenderam a necessidade de me ver estudar em outra cidade, mas na época da escrição tudo o que eu sabia era o que eu queria e depois que eu conseguisse isto, daria conta de conquistar o que mais fosse necessário.
             Os dois eram muito bons de conversa, mas o argumento maior foi saber que não podiamos jogar fora uma bolsa de estudos para uma faculdade de Direito.
              — Ali, adianta para não chegar muito em cima! — Disse minha mãe impaciente.
             Ainda estou em meu quarto, mas ao mesmo tempo já me imagino nostálgica nos próximos meses. Ouvi-lá me apressar não contribuiu muito para manter as emoções amenizadas — isso ainda era algo que eu precisava melhorar. Mas naquele momento eu já pensava no tanto de suas manias que eu iria sentir falta.
              — Vou sentir saudade. — digo.
              — Eu também vou sentir saudades, minha boneca! — Me abraça.
              É, estava acontecendo. Eu estava indo.
              — Está pronta? — Ela sorri emocionada e esfrega os meus ombros com carinho. — Precisamos chegar a tempo para fazer tudo sem pressa.
              — A verdade, é que se você demorar ela vai te segurar aqui sem pretensão alguma de te soltar mais.
              Arthur sempre esteve comigo, mas apesar de já termos passado dessa idade ainda brigamos por certas divergências. Quando digo que tecnicamente irei morar sozinha estou me referindo a ele, pois terei suas mãos bem longe das minhas coisas por um breve momento.
              Ele passou em duas faculdades, uma aqui em São Paulo e outra no Rio de Janeiro, e assim como eu escolheu a primeira. Por mais que tenha apoiado os comentários da minha mãe sobre ser perigoso e preocupante, eu sabia que ele entendia o meu desejo de partir e sinto como se Arthur também o possuísse. Mas ao contrário de mim, meu irmão tem um emprego bacana aqui na cidade e ainda não conseguiu transferência para a filial no Rio.
               Olho para ele, bem branquinho assim como eu, e de cabelos pretos diferente dos meus.
               — Saiba que estou tentando me contentar apenas com sua promessa de ir me visitar temporariamente.
               — Assim que puder, não foi o que eu disse?
               Balanço a cabeça.

               Aguardamos em silêncio até o momento do embarque. Eu queria dizer alguma coisa para eles. Essa sensação é horrível... De ser capaz de pensar em tantas coisas para serem ditas e imaginar milhares de cenas diferentes para uma mesma conversa, mas não ter nenhuma capacidade emocional para proferi-las.
              — Pensativa? — Arthur pergunta.
              — Se quiser mudar de ideia ainda está em tempo. — Minha mãe olhou-me afetuosa.
              Sou capaz de compreender o quanto ela está preocupada com toda essa mudança e distância sendo criada entre nós, mas preciso aguentar o medo e a saudade por nós duas. Do contrário, a zona confortável acabaria me vencendo.
              — Eu quero ir. — Tentei tranquilizá-la. — Não precisa ficar preocupada. Assim que eu me estabilizar o Arthur vai lá passar uns dias e a senhora logo vai poder me visitar também. — A última frase saiu mais como um pedido.
              — Mas é claro que sim! — reforçou Arthur. O sorriso sem forças.
              Uma chama de empolgação se acende à medida que um buraco se abre. Parece que sempre fora assim.
              Com o anuncio do meu voô eu fiz o que tanto temia, despedir-me da minha família. Guardando a imagem dos dois ali de pé e melancólicos, parecia faltar mais alguém. Já havia mais de três anos que ele já não estava mais entre nós. Não fisicamente. Mas mesmo assim, em cada data comemorativo, acontecimentos bobos, grandes e pequenas onquistas, eu imaginava e desejada que ele estivesse entre nós. Minha própria mente o recriatava, com o seu modo de agir e falar, imaginando a sua reação se presenciasse aquele momento.
               — Se cuida, Alice! — Arthur​ disse. Ele abraçou-me forte e presenteou-me com um sorriso reconfortante.
               — Se cuide e também cuide da mamãe!
               Afasto-me dele, indo abraçar a minha mãe que está aos prantos mais uma vez.
               — Mãe não chora se não acabarei ficando. — Sinto seu peito inflar e murchar rente aos meus. — Não se preocupe, eu vou me cuidar, mãe. Você sabe disso. E a Gabi vai estar lá, lembra? — digo.
               Ela balança a cabeça no meu ombro.
               — Por favor, se cuide também. Não fique triste, não é como se eu fosse morrer.
               — Está repreendido, menina. Não brinque com essas coisas.
               — Eu sei, desculpe. Eu amo a senhora!
               Enquanto a segurei nos braços tive a sensação de que se eu continuasse assim nada seria capaz de machucá-la. De deixá-la triste. Só que era eu quem estava causando isso.
               — Obrigada mãe. Por tudo. — falei. — Isso é temporário. A senhora sabe.
               — Boa sorte, minha querida. — tentou dizer. — Me avise assim que chegar.
               Sob último aviso para os passageiros do meu voo, enxuguei mais uma vez os cantos dos olhos sentindo um nó na garganta e tentei sorrir para os dois. Para que eles pudessem ver que eu ficaria bem. Despedidas machucam todo mundo, é assim que as coisas funcionam de verdade e dessa vez eu não estava pensando só neles dois. 

 

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Todas as coisas que (não) deveriam ter acontecidoWhere stories live. Discover now