único: pendência

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"... não posso te apagar como no brilho eterno de uma mente sem lembranças ..."

Taehyung

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Taehyung

Hoje a chuva está caindo lá fora. Não violenta e maluca, mas forte, sem parar. Dias de chuva me prendem em casa. Dias de prisão em casa me prendem na minha própria cabeça. E agora eu estou aqui, preso, pensando, pensando.

Fui espiar o mundo pelas quatro janelas que a casa tem. A do quarto, a pequenina do banheiro, a da área de serviço e a enorme da sacada (que na verdade nem é janela coisa alguma; é uma porta com vista para o céu). E estavam todas com grades de água. Todas com cortinas pingando. Tentei abrir a porta para ver se achava alguma luz no corredor, nas escadas, nas portas dos meus vizinhos. Achei nada. Tudo escuro. Tudo sem aquele todo. Só o barulho abafado da chuva lá fora. Muito espaço para a minha prisão pensar.

Perambulei pela casa inteira e agora estou estirado no chão da sala de estar, onde estou sem realmente estar. Só a cabeça no tapete verde e felpudo. Minhas costas não estariam doendo se eu estivesse com o corpo todo em cima do tapete, mas eu quero continuar assim. Quero sentir o frio do chão de tacos. Quero ouvir o som oco deles quando as pontas dos meus cotovelos tocam as partes velhas e soltas. Quero a textura funda de cada divisão do piso marcando a pele nua dos meus braços. Quero o ardor nas costas quando precisar me levantar. Quero alguma coisa, quero qualquer coisa, mesmo essas sensações mínimas e passageiras. Porque também quero me distrair, quero deixar de pensar, nem que seja por um segundo dividido em um milhão, por um momento mais rápido que um pingar apressado da chuva. Já que estou na prisão, quero apagar, penetrar sutilmente no chão até virar parte dele — e então sumir.

Mas, pois é, eu perambulei pela casa. Perambulei demais, mais do que deveria perambular. Tenho coisas importantes para fazer. Um relatório para daqui a dois dias, roupas amassadas esperando para serem passadas, frutas estragadas que preciso tirar da fruteira para que não contaminem as suas primas e irmãs com a doença do pó. Tenho coisas para fazer, tenho mesmo, mas perambulei.

E foi no meu perambular de pernas, de alma e de pensamentos, que cheguei até você. Você e as suas partes perdidas, deixadas para trás, roubadas. Você embalado na caixa. Você disfarçado de caixa. A caixa de papelão que era do liquidificador, no topo do armário, lá na área de serviço. Aquela caixa que deixei ao lado de um detergente esquecido. Eu nem lembrava que você estava lá. Lembrava mais do detergente do que de você. Mas te achei.

Eu não queria te pegar. Até retorci a cara quando te vi ali em cima, espremido e invisível na caixa. Mas está chovendo lá fora. E a chuva me prende em casa. E a prisão em casa me prende na minha cabeça. E quando estou preso na minha cabeça, amassado num cérebro mega turbulento em cada curva e caminho, que é que me resta, senão perambular até onde eu sei que não deveria?

Me estiquei para te alcançar lá no alto do armário. Quando você veio para as minhas mãos, percebi que era mais leve do que eu me lembrava. Te trouxe aqui para a sala, examinando a ilustração do liquidificador no papelão. Ultrablender! Um novo ângulo, infinitas possibilidades de sabor! Passei por ele na cozinha e o encarei com pesar. Queria que fosse ele aqui dentro, e não você.

por causa da chuva [taekook]Where stories live. Discover now