Os Piratas do Mar de Alcatrão

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Palavras sorteadas:

Ensinar | Corso | Loteria | Levedura | Excluir | Rezar | Liberal | Pança | Defeito | Muito

***

— É muita petulância vocês virem até a minha cidade! — disse o elfo, Vagnello, estreitando os olhos para o grupo de aberrações que estavam acompanhando o capitão Ravenarg, do outro lado da rua, que descia em direção às docas.

— Temos negócios a tratar.

— Desde quando a autoridade portuária se tornou tão liberal a ponto de permitir a entrada de vermes?

— Ora, desde quando começaram a aceitar o nosso ouro! — O capitão riu, se aproximando.

— Não dê mais nenhum passo, seu mutante nojento! Ou vou ser forçado a excluir sua cabeça de seu corpo... — O elfo o ameaçou erguendo seu cetro. O objeto faiscou exibindo uma energia estática rubra.

Ravenarg ergueu as duas mãos e deu um passo adiante. — Estamos desarmados, só queremos conversar.

O grupo que o acompanhava fez o mesmo. Vagnello apontou o cetro e disse: — Podem falar daí! Ouço muito bem.

Atrás dele, seu guarda-costas, um imenso troll, ergueu o porrete com agulhões de metal e olhou para os humanos com cara de quem queria provocar uma carnificina.

— Ataquem! — O capitão saltou veloz como um raio, sacou seu espadim oculto na casaca e o cravou no peito do elfo confederado. O troll reagiu depois, brandindo o porrete contra Ravenarg. O enorme braço deformado, cascudo e espinhoso do pirata defendeu o golpe, mas estalou, disparando uma onda de dor que o fez gritar. Normalmente o braço era uma boa defesa contra os elfos, mas Hugriff, era um troll imenso, quase quatro cabeças mais alto que Ravenarg.

O capitão cambaleou para trás, mas foi salvo pelas pequenas setas atiradas por seus homens e que atrasaram o próximo ataque de Hugriff.

Ravenarg tinha muito o que ensinar aos piratas do Mar de Alcatrão. Aquele ataque era mais uma lição. Sua tripulação de abominações vinha ganhando fama como a mais veloz, ousada e eficiente. Recentemente, conquistaram a graça do príncipe Gulle, recebendo a cobiçada carta de corso de Skullard.

Vagnello, caiu semimorto, com o coração perfurado espirrando sangue no calçamento, sem entender como Ravenarg se moveu tão rápido. Não devia ter subestimado o mutante...

O elfo vinha liderando uma campanha para que a confederação declarasse guerra aos principados.

O antigo reino insular de Fentos foi divido em três principados que eram a pedra no sapato da confederação comercial da aliança feérica, que unia elfos, anões e trolls. Os feéricos escravizaram os humanos, tidos como inferiores, em todo o continente.

Ravenarg carregava em seu sangue a maldição do sangue das górgonas, trazendo ao seu corpo diversas deformidades, além de seu braço bestial. Um de seus olhos era grande e amarelo e sua coluna era torta, devido à grande assimetria provocada pelo braço. Ele usava um colete semelhante a um espartilho para corrigir o defeito.

Mesmo com três setas cravadas em seu corpo, Hugriff avançou com o porrete contra a cabeça de Ravenarg. Ele teve que se jogar no chão para evitar que seu crânio fosse esmigalhado. O capitão rolou na direção do troll. O capitão se encolheu o braço fraturado, seu o rosto feio assumiu um aspecto horrível ao se contorcer de dor. Ainda assim, usou seu espadim e cortou a pança do troll. Aquilo fez jorrar uma cascata de vísceras em cima de Ravenarg.

Hugriff soltou o porrete, guinchou e levou ambas manzorras peludas ao ventre.

Ravenarg cuspiu e vomitou um pouquinho, mas se conteve, e rastejou de costas se afastando do troll.

Apitos soaram. Logo a guarda da cidade cairia sobre eles.

— Vamos, chefe! Temos que sair depressa!

Joppo, o albino de pele purulenta, ajudou o capitão a ficar de pé sem sentir nojo da bosta e sangue de troll que estavam cobrindo seu corpo. Por anos, ele serviu como escravo limpando as latrinas dos trolls cinzentos.

Os elfos descobriram que os escravos humanos duravam mais em serviço, se tivessem esperança de liberdade. Então criaram a loteria abolicionista. Escravos trabalhavam tempo extra para poder ganhar mais bilhetes e todo mês, ocorria o sorteio e um escravo era liberado. Os libertados voltavam a trabalhar em troca de salários, para não morrer de fome, mas Joppo, assim como diversos outros mutantes libertos, foram recrutados para a tripulação de Ravenarg.

Nayla, possuía guelras e podia respirar debaixo d'água, mas essa era apenas uma capacidade secundária, se comparada ao seu canto hipnótico.

Ravenarg e seu grupo de infiltração correram na direção do porto, mas logo foram cercados pela numerosa guarda composta de anões. Nayla soltou a voz e seu canto os confundiu por tempo suficiente para chegarem ao navio atracado no cais. O navio de Ravenarg zarpou sob uma chuva de flechas. Os confederados não iam deixar aquela afronta barata.

Hurmus, o arqueiro que tinha olhos esbugalhados e baços como os de um peixe uniu as mãos aos céus.

— Vamos rezar! Rezar por um milagre!

— Desde quando rezar resolve alguma coisa, Hurmus? — zombou o capitão e prosseguiu: — Nenhum milagre vai cair do céu! Mas nós vamos fazer um... Dato, Raliots, a levedura de fogo.

Os dois sujeitos peludos logo apareceram carregando, em dupla, um grande saco pesado contendo as pepitas amareladas.

— Bodoques! Bodoques!

Hurmus era novo na tripulação, aquela era apenas sua segunda missão, mas logo percebeu que os demais já sabiam o que fazer.

Utilizando os bodoques, a tripulação passou a atirar as pedras contra a água, o mais distante possível. Quando o material tocava a superfície ele explodia muitas vezes, se dividindo em pedaços menores que voltavam a explodir em contato com a água. As centenas de explosões logo encheram o porto com uma névoa fedorenta que fazia os olhos dos perseguidores lacrimejar.

No meio da confusão, dois dos barcos da guarda confederada se chocaram. Isso os deixou com apenas uma embarcação em perseguição.

— Freva, trinta graus a estibordo!

A timoneira de quarto braços manobrou o navio conforme as instruções.

— Krall, libere o caldeirão!

No deque inferior, o mestre de armas e seus ajudantes abriram o costado da nau, deixando exposto um caldeirão de cristal que mantinha aprisionadas centenas de borbulhantes espíritos famintos.

— Teru, é com você! — disse Krall, o careca horripilante que possuía a pele vermelha e repleta de quelóides.

O espelho escuro, emoldurado com vidro vermelho sanguíneo, foi ajustado por Teru, um velho tão magro que parecia um esqueleto ambulante. A luz negra que se projetava do espelho atingiu as velas do navio confederado.

— Na mira, chefe! — Teru, o prejudicado, disse com sua voz cavernosa.

Krall então abriu o caldeirão e se encolheu. Um jorro de almas saiu gritando sendo loucamente atraído pela luz negra do Espelho de Drac'llard. Como se arrastados por uma onda irresistível, as almas voaram até o navio inimigo.

No convés principal, Hurmus fez o sinal da foice e rezou: — Que Driena tenha piedade de suas almas pecadoras!

Ravenarg gargalhou. — Que tenha piedade das ninfas de Sbernia! Pois é lá que vou gastar a fortuna que acabamos de ganhar com esse trabalho!


Tempestade de Ficção #3 - Mutantes e AliensWhere stories live. Discover now