Até a pior ressaca é melhor do que a realidade que eu quero esquecer

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Notas do autor

Esse conto foi publicado nesse ano na antologia "O Lado Sombrio dos Signos", da editora Cartola. Para adquirir o livro com os demais contos, acesse:

https://www.cartolaeditora.com.br/catalogo/o-lado-sombrio-dos-signos/


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Sempre me disseram que eu sou a alma da festa, e como bom sagitariano, preciso honrar o título. Conforme as luzes estroboscópicas nublavam minha visão, a batida pulsante da música eletrônica vibrava no interior do meu crânio e o álcool me deixava cada vez mais entorpecido, a dopamina agia sobre mim.

Não reconheço os rostos ao meu redor, já não lembro quem está comigo, só vejo suas risadas e feições satisfeitas. Deve ter sido algo que eu disse — ou gritei naquela cacofonia de sons —, é um dom. Não preciso pensar muito, apenas abrir a boca e deixar as palavras saírem, e tão logo alguém cai na gargalhada.

É o que eu faço de melhor.

Perco os sentidos em meio à batida robótica. Melódica. Hipnótica. Já não sei mais como meus movimentos se parecem, minha noção cinética já não é mais a mesma graças às luzes pulsantes. Vibrantes. Cegantes. Nada que me importe, não preciso me preocupar, apenas me deixar levar pela música e pelo álcool. Estamos no final de novembro, daqui a poucos dias é meu aniversário, então posso considerar que estou me preparando para uma noite ainda mais intensa.

Viro outro gole do copo em minha mão, sem saber o que acabei de ingerir. Pelo gosto forte é algo com uísque, já perdi a conta de quantas e quais doses tomei pelo caminho. Nada fora do habitual, tendo em vista que vivo desafiando meu organismo a cada festa, como a vez em que misturei pinga, vodca saborizada e gin tônica no mesmo copo.

— Você é o cara! — alguém grita no meu ouvido, e eu ergo o punho para responder que sim.

Eu sou. Pelo menos é o que dizem.

Em um instante, uma pessoa está com o braço sobre os meus ombros. Em outro, uma multidão por perto. Beijo alguém, seria a primeira pessoa da noite? Este é um homem, mas acho que já tinha beijado uma mulher mais cedo, e um tempo depois é outra pessoa. Pego meu celular e espero que coloque seu número, para que eu consiga reconhecer quem eu beijei no dia seguinte. Não gosto de ser rude sem motivo.

E sem perceber, estou cambaleando em direção ao banheiro, sentindo meu estômago revirar. Não faço ideia de como cheguei aqui ou quanto tempo se passou, só sei que chutei a primeira porta que apareceu e quase caí ao me inclinar sobre o vaso, botando para fora o que incomodava as minhas entranhas.

A música está um pouco mais abafada, é mais silencioso aqui. A cabeça roda, a garganta arde, o corpo treme e as pernas bambeiam. Preciso me sentar, apoio as costas e a cabeça na cabine para não tombar, ou desmaiar caso minha pressão despenque outra vez. Acho que vou ficar bem.

Queria lembrar onde estou e com quem vim, mas tudo que vejo são flashes de lembranças distantes, como se estivessem em outra era: uma mesa de bar, muita gente ao meu redor, rostos diversos e expressões animadas. Risadas, gargalhadas, será algo que eu disse? Eu costumo ser bom nisso.

Do bar até a boate são poucas memórias. Uma caminhonete, estou no banco de trás. Duas garotas de vestido vermelho, um cara com muitas tatuagens no braço. A primeira garrafa de cerveja. Uma bebida irritantemente doce. Outra terrivelmente amarga. Eu conheço o DJ, subi no palco. Talvez eu tenha empurrado alguém. Acendi um cigarro e o traguei por completo. Estava sóbrio o bastante para recusar MD, parecia demais para mim neste momento. Mas aceitei um Double Mix.

DopaminaWhere stories live. Discover now