Melancolia Lunar

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- Você é casada?- perguntou lhe servindo uma xícara minúscula de chá.

- Não ainda...
- Vocês anões, morrem esmagados por humanos?

- Não muito. Nós moramos num local isolado da floresta, mas as vezes alguns morrem por se aventurarem.

- Então... você está se expondo ao perigo, né?

- Bom... sim!- aceitou secamente.- Mas vou ficar bem.

- Não se preocupe, Kiyo. Eu vou te proteger aqui, tudo bem?- ela sorriu e riu - Enquanto estiver morando no templo nada poderá te machucar.

    Sinceramente, as vezes Kotono parecia um belo Arcanjo. Ela parecia um lindo Arcanjo que vinha para retardar a dor e a vergonha do coração da anãzinha com suas asas vislumbrantes pairando no ar e colorindo a realidade preta e branca que a princesa enxergava, com só uma palavra acolhedora a Anjo tinha a capacidade de colorir aquela nova realidade tão difícil. Longe da vilazinha dos anões, dos pias e do luxo ela encontrou carinho e uma boa amiga que abraçou todas as suas necessidades em meio à toda aquela estranha sensação de insegurança, como se estivesse perdida num labirinto horrível. As vezes ela parecia ser o maior bem que Kiyo tinha, seu único bem.

- Vocês já comemoraram o festival da lua?- perguntou a moça com uma pulga na orelha.

- Não. Nós anões não fazemos festivais. Mas eu gostaria de comemorar com você- disse com um sorrisinho fofo mexendo as perninhas.- Vocês fazem o que nesse festival?

- Nós fazemos bolinhos, reunirmos a família e fazemos rituais para agradecer pela paz.- Explicou mastigando um bolinho açucarado.

    A pequena olhou com humor para a moça esperando uma resposta melhor. Seria só isso que faziam nesse tal festival cultural?

- Só isso? Só isso que fazem? Eu esperava mais dos festivais de vocês, gigantes. - ao dizer isto, a mulher a olhou com indiferença novamente.

- Vocês nos chamam de gigantes?

- É claro, do que mais te chamariam? Nós somos miúdos enquanto vocês são enormes! Desculpa se te ofendi.

- Não, tudo bem. Faz sentido.- riu assim movimentando a anã á fazer o mesmo.

    Os risos descontraídos adocicavam aquele pôr do sol alaranjado brilhante da tarde, o divertimento das duas era fruto da boa amizade que construíram aos poucos. Na beira da fonte, Kotono aproveitou a tarde e se sentou lá, logo lamentou coisas que deixara para trás.

- Você não quer comer mais?- perguntou ao ver a dama saindo da mesa e se sentando na beira da estrutura.

- Não é isso... eu só queria desabafar algumas coisas com você- suspirou.- Faz tempo que não converso com alguém que queria REALMENTE meu bem. Posso desabafar com você?

- É claro. Deve ser complicado não poder falar com ninguém. - A pequena foi empática com a sacerdotisa.

   Ela deu um grande suspiro e começou:

- Eu larguei uma vida boa e maravilhosa... em troca dessa. Antes eu tinha bons amigos, podia conversar á qualquer hora... mas larguei tudo para ser sacerdotisa! - disse amargamente.- E agora me sinto uma mulher perdida, idiota e burra! Eu pensei que estava fazendo o certo !

     Kiyo congelou ao ouvir suas lamentações. Era quase igual o motivo de sua decepção! A miúda também havia largado uma vida em troca de outra na esperança de mudar de realidade mas logo se arrependeu por um instante. Parecia até um truque sujo do universo de trazer á tona na nova e bonitinha realidade da anã as lembranças e medo da antiga realidade! Só para lembrar seu coração que mesmo correndo, fugindo, berrando e gritando e tantas outras coisas, ela não poderia fugir da sua real realidade. Até mesmo quando as coisas pareciam bem, o temível fantasma do tempo voltava para infernizar.

- Sinto muito...- disse com a garganta seca.

- Você não tem que sentir nada... não é sua culpa... não é sua culpa...

    Um silencio horrível pairou no ar entre elas. A princesa queria quebrar o silencio de alguma forma, mas não sabia como. Kotono ainda olhava para a água, seus olhos estavam tão tristes e vazios... era como se toda a tristeza do mundo fosse trancada num só olhar.

- Veja pelo lado bom, se você não convive muito com as pessoas, pouca é a chance de você se machucar com elas, né?
É melhor viver sozinha - a pequena foi positiva, algo que nem realmente era. Apenas forcou sua positividade inexistente para alegrar a amiga.

A sacerdotisa se virou e olhou para ela om desdém.

- Kiyo, a maior alegria da vida é poer conviver com as pessoas mesmo com as consequencias disto. Se você não consegue entender isso, meus pêsames ! – respondeu como se alguém tivesse morrido. Com certeza o morto desta situação era a compaixão da anã.

     Diante daquele sermão vergonhoso, ela ficou quieta sem querer argumentar sobre a fala da jovem. Kotono percebeu que a baixinha não diria nada, enfim recolheu as xicaras e entrou no templo sem falar nada. Com o frio da noite se aproximando, a princesa pensou em voltar para o templo e se desculpar com a mulher, mas logo esse pensamento se dissipou.

     ‘’ Melhor não prejudicar ela... não serviria de nada minha presença aqui

    Pensou cabisbaixa consigo mesma. Olhou vagamente para a floresta e se sentiu novamente sendo puxada pela Âncora de Van, assim experimentando mais uma vez a sensação de vazio e tristeza.

      Para ela, poderia sequer encontrar alguém que a fizesse companhia que já a decepcionaria. Era como se Chimaki se enxergasse como uma "máquina de decepcionar".
       Tomou sua decisão, não queria fazer Kotono mal mas também não queria pedir desculpas e lidar com sua vergonha (preferiu ser covarde), assim, Chimaki foi embora do templo budista. De longe, olhou mais uma vez para o lugar e partiu, assim fugindo do desafio de enfrentar de vez as dificuldades, medo e verdades, escolhendo sempre fugir e esquecer tudo assim como fez com o casamento. Não poderia apenas ter ficado em casa e casar de vez?

        As vezes, a escolha de "fugir de algo" começava á ser semelhante em " virar pó " na mente da anãzinha de Hokkaiko, pois os dois tinham o mesmo objetivo moral: Esquecer os problemas.

   Assim que as coisas complicaram com Kotono, a miúda não procurou se entender com ela e desistiu daquela nova realidade, agora procuraria outra. Ao amanhecer do dia seguinte, os sons de galos e de pássaros que cantavam pela manhã foram substituídos pelos berros e choro da sacerdotisa Kotono que se destruía por dentro só de ver o muro onde a anã aparecera pela primeira vez vazio. Procurou em cada lugar, mas não a achou. E o pior de tudo, para qualquer um que Kotono contava o motivo do desespero, não acreditavam! Diziam que a mulher havia enlouquecido de vez e que estava imaginando pessoas miúdas, a moça agora era considerada louva por toda a vila.

      Culpou-se e se perguntava o que tinha feito de errado, esses pensamentos apenas aumentaram a tristeza da religiosa. Dias se passaram e Kiyo ainda andava sem rumo algum, como um andarilho ou nomade, as paisagens, todas as árvores, lagos e arbustos e animais eram todos iguais, nada mudaria, nada era novo naquela jornada cansativa sem graça; com praticamente nada pra fazer! Tudo agora parecia um tanto monótono, a pequenina andava, andava e andava... era uma rotina que não mudava em nada, talvez isso significasse que ela procurava uma nova realidade, provavelmente achou! Claro, não era como esperava.

A Anãzinha da Vila Hokkaiko Onde as histórias ganham vida. Descobre agora