Capítulo 1

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Esta manhã, meu neto entrou na sala de nossa casa trazendo uma espada de madeira. Fiquei olhando sua luta fictícia contra gigantes terríveis e ouvindo seus gritinhos infantis, insultando inimigos que só estão em sua imaginação. Ele diz que quer ser um guerreiro rico e famoso como o avô. É claro que isto me enche de orgulho, mas se a fama e a riqueza fossem o que ele sonha em suas brincadeiras de criança... Talvez eu esteja mesmo muito velho, como dizem os meus filhos, porque meus olhos se encheram de lágrimas quando me lembrei dos meus dias de guerras e batalhas; dos amigos que perdi; dos reinos que ajudamos a criar e de todos os atos heroicos que testemunhei, e hoje viraram apenas histórias.

Eu sou Samah, um dos Trezentos, chefe de cem. Vi quatrocentos homens transformarem uma caverna em um reino. Sou do clã dos Benjamitas, o filho mais novo de Raquel e Jacó. Quando dividiram nossa terra, herdamos o território que vai desde o Jordão – no norte – até Betel; indo até o território de Beth-oron. Para sul, passa por Quiriath-Jearim e o Vale de Hinom, e daí prolonga-se até o Mar morto. O Jordão delimita a fronteira a Oeste. Como os outros clãs do meu povo, tivemos que conquistar esta terra na espada e no sangue! Apesar do primeiro juiz dos hebreus ser benjamita, nunca tivemos posição de prestígio. Claro, o primeiro rei também era de Benjamim, mas essa história não é sobre Saul, apesar de ele desempenhar um papel muito importante nela.

Eu vivi num vilarejo próximo a Belém, e o povo da minha infância era tão simples que nem parecia que estávamos tão próximos às cidades desenvolvidas como Jerusalém, Jericó, Betel, Mispa e Gibeon. Se eu fechar os olhos, consigo ver os meus amigos dos outros clãs. A risada do Capitão; a música no acampamento; o barulho das espadas sendo passadas nas pedras de amolar; o canto das mulheres quando voltávamos vitoriosos de nossas campanhas... Parece que foi ontem.

Meu neto, que se chama Gad – e é um nome apropriado, porque vivemos tempos felizes –, me vê de olhos fechados e acha que estou dormindo. É bom que ele pense assim... Sei que a morte daqui a pouco vai me chamar, para a doce companhia de meus companheiros de armas, de meus amigos fiéis, de minha esposa amada, e é bom que os que ficarem se lembrem de mim como o conquistador que eu me tornei, e não como um velho à beira das lágrimas com a simples visão de uma espada de madeira.

A verdade é que nem sempre fui um guerreiro destemido. Houve uma época em que tudo o que eu queria era ser um pastor de ovelhas! Foi uma briga na aldeia que me tirou do meu conforto:

Eu fechei bem meus olhos. Não queria acreditar no que estava ouvindo do lado de fora da casa.

O Vale de ElahWhere stories live. Discover now