03

3.2K 223 142
                                    

Era um pajero azul de quatro portas parado atrás do campo de futebol da Fraklin Pierce.

Sua lataria brilhava como uma lâmpada de 1000w à luz do sol daquela manhã. Era doloroso olhá-lo por muito tempo, porém ainda era possível distinguir duas formas humanas se entrelaçando por trás do vidro meio embaçado da janela do passageiro.

Os dedos de uma mão masculina desapareciam dentro de uma cascata de cabelos negros e a outra corria pelas costas da garota amassando e tirando sua blusa do lugar enquanto a boca dos dois jovens se mexia em um ritmo descompassado.

Aquilo me lembrava um documentário da HBO sobre o mundo animal que tinha visto há alguns anos. Havia uma cena em que se mostrava duas cascavéis enroladas uma no corpo da outra a beira de uma estrada perto do deserto de Mojave, na Califórnia.

Não era possível distinguir onde se começava uma e terminava a outra, na verdade parecia que suas cabeças saiam de um mesmo tronco como aquelas bizarrices que vemos em algum circo itinerante.

Na época, ainda existia o time de lacrosse da escola e naquela noite papai havia gasto uma nota preta com um dos mais caros pedidos de pizza da família Lee. Ele não era dado a comemorações, mas Thomas tinha feito um dos seus melhores desempenhos no último jogo e levado a Franklin Pierce para semifinais.

Depois que vi aquela imagem tudo o que eu comera naquela refeição havia voltado. Milhares de pedacinhos mal digeridos de queijo, pepperoni e massa italiana sendo jogados no carpete semi novo da sala como as peças de um quebra-cabeça. Era como se nada além da repulsa tivesse espaço para permanecer dentro de mim.

Eu não era alguém tão impressionável assim, mas havia algo de terrivelmente errado e perverso naquela cena. Não era apenas duas serpentes rolando sobre o cascalho quente em algum lugar da Califórnia como também não era apenas mais um casal de adolescentes atracados em um banco de carro.

Enquanto minha mente oscilava entre a lembrança e o tempo presente e meu estômago se retorcia me fazendo sentir vontade de vomitar as torradas mal queimadas que mamãe tinha feito aquela manhã e eu ao menos havia tocado, os olhos do rapaz se abriram e por cima dos ombros estreitos da jovem ele viu minha figura parada em frente uma das portas do pajero.

—Mas que diabos?!!! – ele vociferou e em um piscar de olhos as mãos que exploravam a garota a sua frente voltaram para junto de seu corpo e saltou para o banco do motorista assustado como um garoto levado sendo pego pelo padre roubando as ofertas da igreja.

Nesse ínterim sua companheira também se voltou para mim e os olhos azuis cor de gelo de Clementine Emma Prescott se chocaram com os meus.

Com a destreza de uma verdadeira serpente ela abriu a porta do carro e deslizou para fora de seu banco de couro pondo-se ao meu lado antes que qualquer outro pensamento se formasse em minha mente.

Naquele dia, por algum motivo que a mim parecia incompreensível, seus surrados All Stars haviam sido substituídos por botas pretas de salto alto que se acabavam pouco antes do joelho e seu jeans desbotado por uma saia da mesma cor feita em um tecido o qual a textura me fazia pensar em látex.

A camiseta que usava, da cor vinho sem mangas e com a frase "The subliminal mind Fuck America" escrito em vermelho, era algo típico de sua vestimenta, mas que não diminuía a estranheza de sua figura.

Era pelo menos um palmo menor do que eu, porém suas curvas muito mais bem definidas a faziam parecer mais velha e naquele momento dentro daquelas roupas curtas e apertadas que expunham ainda mais suas formas não se assemelhava nem de longe com uma das calouras da Franklin Pierce.

Em um movimento demorado em comparação a sua saída, Clementine levou uma de suas mãos ao rosto e afastou uma mecha de cabelo da frente de seus olhos como se isto fosse a única coisa que estivesse fora do lugar. Enquanto o fazia, pelo canto do olho ainda me observava. Ao contrário do rapaz não parecia envergonhada e nem mesmo surpresa com minha presença. Afinal, de algum jeito, mesmo que indireto, ela havia me trazido até ali.

A Garota Afogada do Lago GreeneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora