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A lâmina do canivete de Clementine Prescott brilhou a luz da lua um segundo antes de desaparecer entre a borracha cor de piche de um dos pneus frontais da caminhonete. De algum outro lugar do isolado estacionamento do Jerman's Bar onde a iluminação seria mais precária que a nossa alguém poderia pensar que estivesse apunhalando outra pessoa com a forma monstruosa do pajero de Emmett Reed escondendo seu ato.

Na certa, não seria a primeira vez que algo parecido aconteceria ali. Se listasse todos os lugares de Golden Field que deveria evitar aquele seria um deles.

Jerman era um antigo galpão reformado e mobiliado para ser uma cervejaria localizado em uma gigantesca clareira na saída da cidade. Seu nome escrito em neon e com letras garrafais brilhavam em um tom de azul florescente em sua fachada tão fortemente que ultrapassava as formas densas das copas das árvores a sua volta.

Quando era mais jovem, bem antes do acidente no lago e quando meu entendimento sobre a palavra "BAR" era limitado gostava de pensar que a luz que via ao longe era de um farol tentando guiar incessantemente os marinheiros perdidos de Golden Field.

Mas eram outros tipos de pessoas perdidas que buscavam aquela luz. Eram mulheres de baixa e média classe divorciadas, depressivas ou mal casadas buscando uma aventura fora de seu matrimônio viciadas em nicotina e o uísque barato. Os homens eram operários, caminhoneiros ou simplesmente beberrões sem profissão definida em condições iguais ou piores do que aquelas mulheres.

Havia jovens, é claro. Pelo menos 4 ou 5 a cada noite comprando garrafas e mais garrafas de cerveja e perdendo tudo o que tinha nas mesas de sinuca no único lugar onde poderiam passar as noites como adultos. Desde que possuíssem dinheiro para isso.

O fato era que nada naquele lugar me atraía ou despertava qualquer curiosidade e o único motivo que me levara ali, no meio da noite enquanto toda minha família acreditava erroneamente que estava na biblioteca municipal pesquisando sobre a Batalha de Waterloo, era Clementine.

Cortar pneus não fora a única forma de descontar sua fúria por ser enganada ao longo daquele dia. Destruíra nosso futuro prato na aula de gastronomia, esmurrara portas de armários e xingara metade dos funcionários da escola e alguns colegas de classe até se decidir que viria até Jerman. Obviamente não para se encontrar com Reed.

—Não acho que deveríamos estar fazendo isso. – declarei enquanto Clementine retirava a lâmina de dentro do pneu e se preparava para uma nova estocada.

Curvada em frente a uma das laterais do pajero ela virou seu corpo bruscamente para trás e seus olhos semi cerrados encontraram o oscilante feixe de luz da lanterna que havia sido encarregada de segurar.

Agora, sem qualquer necessidade de impressionar ninguém do sexo masculino e ainda inflamada pelo desejo de dar um tipo de castigo a Reed, voltara a se vestir como a antiga Clementine. Com um casaco de napa preto cobrindo seu tronco usava seu conhecido gorro vermelho, jeans e tênis surrados que se enterravam no cascalho molhado do estacionamento do bar.

Ali, em sua posição atual, envolta pelas sombras da noite a não ser por seu rosto traçado pela luz artificial me fazia pensar em um animal selvagem a espreita. Com seus olhos azuis de um caçador Clementine/a criatura me observava de forma analítica esperando que fizesse algum movimento infalso.

Além do pajero se estendia uma série de outros automóveis como um mar de latarias abandonadas até a única e grandiosa entrada e saída do estacionamento do Jerman's Bar e a minhas costas uma alta cerca de arame cruzado.

Sem ter para onde correr sentia o gosto de sangue adentrando em minha boca.

Uma rachadura em meu lábio inferior se abrira graças ao frio daquela noite. A temperatura despencara gradualmente durante toda a tarde desembocando em um final de dia lúgubre e em uma chuva amena que enlameou as ruas de Golden Field e terminara pouco antes de resolvermos sair de nossas casas.

A Garota Afogada do Lago GreeneWhere stories live. Discover now